Capítulo 9 - Parte 2

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"21 anos: o ano em que decidi matar a primeira vítima. Eu levantei da mesa da lanchonete do hotel e olhei para o homem atrás da pilastra. Peguei a faca esquecida sobre o balcão, e o segui...”

Agi exatamente como as palavras diziam. Não sei de onde surgiu aquela faca, mas a segurei.

Dobrei o guardanapo e o guardei no bolso do casaco junto da flor. Os pensamentos trabalhavam subitamente com um único objetivo. De repente, fui dominada pela obsessão. Uma voz permeava os cantos obscuros de minha mente. Dizia que era o certo a ser feito e meu corpo obedecia.

Essa noite, eu mataria o homem misterioso.

Deslizei o cabo faca para dentro da manga do casaco e escondi a lâmina com as mãos. Ninguém podia ver o que eu pretendia fazer.

A voz me guiou pelo saguão até os fundos do hotel. Ela era urgente. Soava ríspida. Nervosa. Machucava minha cabeça como um berro agudo invadindo os tímpanos.

 “Isso garotinha! Mate! Mate! Quero ver o sangue dele escorrer. Quero que a luz dos olhos dele, se apaguem!”

Pisquei os olhos arregalados e prossegui o caminho. O homem misterioso andava rápido. Se distanciava a passos largos.

 “Se apresse! Ele está fugindo!”

 Corri para cruzar a porta dos fundos. Dei de cara com um chafariz no formato de gárgula, rodeado por bancos de pedra. O homem misterioso estava parado de costas. Fitava o muro.

 Sorri obstinada. Agora ele não teria por onde fugir.

 Com esforço, fiz o mínimo de barulho enquanto pisava lentamente na grama, e me aproximava do alvo. Ele baixou o capuz do casaco e contemplei seus cabelos negros. Deixei a faca deslizar para fora da manga do casaco, e me aproximei sorrateira.

 "Isso, na nuca. Acerte-o na nuca.”

 Sacudi a cabeça e pisquei.

 Na nuca. Sim. Eu cravaria a faca em sua pele branca e sedosa.

 Uma brisa gelada atravessou o jardim e as árvores esvoaçaram. O cabelo dele balançou desordenado.

Dei mais um passo. Bastaria erguer a faca no alto, e desce-la com força para perfurar sua pele. O sopro do vento me fez inalar o perfume dele. Envolvente. Familiar.

Se eu o conhecia, por que o mataria?

Ele obviamente sabia que eu estava ali. Bem atrás. Por que não se movia?

“O que está esperando? Crave a faca nele!”

Meu braço se moveu como se fosse empurrado para o alto, e desceu.

Uma espécie de queimação me dilacerou por dentro quando voltei a mim.

Meu Deus, o que é isso? O que estou fazendo?

A cabeça girou, os músculos do braço protestaram contra o gesto. Imprimi toda a força que eu possuía, para impedir a faca de acertá-lo. A lâmina estava a um centímetro de sua nuca. Qualquer movimento seria fatal.

-        Não! Pare, pare! – gritei para a voz que tentava me controlar.

 “Você vai matá-lo. Não adianta lutar.”

 Meu corpo inteiro tremia. Os batimentos acelerados vibravam no pescoço. Os músculos começavam a fraquejar. Não. Eu não conseguiria resistir muito mais. Por que ele não saia dali? Tentei gritar para que ele fugisse mas a voz falhou. Engasguei com um sabor amargo na glote. A passagem de ar ficou bloqueada e perdi a força.

A lâmina perfurou a pele. Ouvi o som de algo sendo rasgado. Vi o sangue escorrer veloz empapando sua camisa branca. Ele caiu de joelhos, e a faca deixou sua pele. Larguei-a na grama e caí ajoelhada. Pus as mãos no pescoço dele e urrei de desespero. Olhei o vermelho em meus dedos e solucei.

Ele estava morto. Eu era uma assassina.

Apoiei a testa nos braços e estremeci com um espasmo. Meu peito esvaziou. Oco. Assim como a mente. Eu só queria ficar ali. Na grama. No sangue. Respirando.

Alguém sacudiu meu ombro bruscamente. Eu não podia abrir os olhos. Não podia ver aquela cena outra vez.

-        Levanta, Liza!

Ergui a cabeça e fitei a mesa da lanchonete. Levantei arfante e olhei para Raquel. Ela me fitava com o cenho franzido. Conferi minhas mãos. Limpas. Chequei o bolso. Nenhuma faca.

Corri os olhos pela lanchonete e fiz um círculo andando parada no mesmo lugar. O homem misterioso não se encontrava por ali. E deduzi que se alguém estivesse morto no hotel, no mínimo haveria um tumulto.

Soltei o ar absurdamente aliviada.

-        Você está muito esquisita, Liza. Anda, vamos. O papai e a mamãe já guardaram tudo no carro.

Assenti porque continuava sem voz e andei atrás da minha irmã. Eu ainda escutava aquela voz na cabeça. Ainda sentia o aspecto pegajoso do sangue nas mãos.

Levei a mão no bolso do casaco para pegar as luvas quando deixamos o hotel e engoli um grito com a textura. Pela maciez, seriam pétalas.

 Puxei o bolso para fora e o terror se instalou como uma tonelada nas costas quando encontrei uma flor de pétalas negras, e um guardanapo dobrado. Não ousei ler naquele instante. Meus pais obviamente suspeitariam do meu pânico quando eu entrasse no carro.

Congelei uma expressão serena e sentei no banco traseiro atrás de minha mãe.

-        Você parece pálida, Liza. Está tudo bem? – meu pai olhou para trás antes de dar a partida.

-        Só um pouco enjoada, pai. Qual é a nossa próxima parada?

Mudei de assunto. Talvez, se pensasse em coisas triviais, seria capaz de voltar a respirar normalmente.

-        Santa Bárbara e depois Los Angeles. Estamos quase chegando ao destino.

-        Ahã.

Engoli em seco.

Havia um nó na garganta e nas entranhas gritando com toda a força, que um desastre me esperava ao final da viagem.

Abri a janela para deixar o vento esfriar um pouco meu estado febril e mesmo sem coragem nenhuma, alcancei o guardanapo no bolso. Com a esperança de encontrá-lo sem nada escrito, além dos meus relatos de aniversário até os dezessete anos.

Desdobrei o papel e encarei aquelas linhas.

Meu pai foi rápido ao parar o carro no acostamento, quando eu disse a ele que precisava vomitar.

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Olááá, espero que tenham gostado! =D

Gente, façam uma autora feliz! Deixem estrelinha e seus comentários, estou curiosa para saber o que estão achando.

O que vocês imaginam que a espera em Los Angeles?

O PROBLEMA DE UMA SOMBRA, É QUE ELA PODE ESTAR A QUALQUER HORA, EM QUALQUER LUGAR...

A Sombra (Completo)Where stories live. Discover now