Capítulo 6: Filosofar é coisa de criança?!

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Sócrates finalmente chega à sala de reuniões preparada para o debate. Além do grego, o governo havia convidado duas figuras importantes nas orientações filosóficas e educacionais do presidente, Otáreo de Carvalho, o guru intelectual da nova direita brasileira, e o advogado Miguel Gibi, combatente das ideologias na educação.

A estrutura do espaço físico onde ocorreria a querela estava repleta de câmeras e repórteres que acompanhavam cada segundo do evento. Na plateia, um elevado número de jovens disputava espaço para aquele momento tão aguardado. Os jovens se dividiam em dois grupos: De um lado, otáretes fortaleciam o coro de que o fim das disciplinas de humanas era necessário para alavancar a economia. Do outro, universitários de instituições públicas se articulavam em defesa da universalização do ensino de filosofia, sociologia, história e geografia.

A embaraçosa entrevista divulgada no dia anterior havia aquecido os ânimos em um país que parecia não ter saído da campanha eleitoral. Bandeiras de partidos e movimentos sociais acenavam para um contexto que lembrava uma final de futebol.

Para mediar o debate, o apresentador Danilo Ingentil, âncora de um dos principais programas de jornalismo nacional, havia preparado um roteiro de questões para cada um dos convidados. O Programa seria dividido em dois blocos: O primeiro trataria do ensino das disciplinas de humanas para as crianças e em seguida, se debateriam as ideologias na educação.

A transmissão inicia com a apresentação do filósofo:

APRESENTADOR: - Boa noite a todos! Estamos ao vivo para um dos acontecimentos mais importantes do telejornalismo mundial. Hoje, ao meu lado esquerdo, contamos com a presença ilustre do filósofo Sócrates. Ele foi o criador da primeira academia do mundo. Boa noite Sócrates!

SÓCRATES: - Boa noite Danilo! Desculpe-me, mas uma correção, eu não criei academias! Os meus diálogos ocorriam nas ruas, no comércio, em praças públicas e não em um espaço determinado.

APRESENTADOR: - Há... Obrigado pela retificação! Acabei de ser informado pela produção que o mentor foi o seu discípulo, o Platão. Mas, não dá para tirar os seus méritos [Com um sorriso sem graça...]. E ao meu lado direito, o autoproclamado filósofo, astrólogo, conferencista, escritor e conselheiro político, Otáreo de Carvalho.

[Ovacionado pela plateia de Otáretes...]

OTÁREO: - Um prazer em revê-lo, Danilo Ingentil!

APRESENTADOR:- Sócrates, iniciaremos por você. Como deves saber, os tempos são de austeridade fiscal. Para o governo, o investimento em educação deve ser bem analisado! Você foi trazido aqui para nos explicar a relevância da área de Ciências Humanas para a sociedade. Podemos começar pela disciplina de filosofia. Por que ela deve ser ofertada no ensino básico do país?

SÓCRATES: - Se me permitir, gostaria de inverter a lógica da questão. Mais do que situá-la para um grupo específico, não seria a filosofia uma forma de refletir a cada experiência e atitude entre as pessoas, perpassando múltiplos lugares, segundo a qual suas singularidades?

APRESENTADOR: - Prezado Sócrates, o Brasil realizou reformas na educação básica reduzindo as áreas de humanas. Hoje, formamos mão de obra juvenil com vantagem competitiva no mercado. Somos o país com o menor custo trabalhista do mundo. Diversas empresas brigam para colocar fábricas aqui! Assim, de que forma a filosofia pode contribuir à nação?

[O astrólogo Otáreo de Carvalho, acende um cigarro e toma a palavra...]

OTÁREO: - Exatamente! O ensino de filosofia não deve ser obrigatório, muito menos no nível básico! A filosofia é uma reflexão crítica sobre o conhecimento. Ela exige experiência de vida. Logo, não é atividade para crianças. Se assim ocorrer, degenera em troca de opiniões, em pregação política. Pergunto ao Sócrates se havia crianças no seu meio filosófico?

Tudo que você precisa saber para ser um ignorante: Sócrates no BrasilWhere stories live. Discover now