Capítulo 2

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LYUNEE

O vento nunca esteve tão gélido. Percorrendo por toda a minha coluna enquanto eu corria sem saber de nada mais. Tudo o que havia em minha mente era um branco formado por várias confusões em diversas cores, e eu queria correr até meu corpo sumir. E quanto mais eu corria, mais coisa sentia mesmo sem vê-las.

Eu senti a coruja me observando atenta, a lua iluminando minha cabeça e tentando pratear o meu cabelo, eu também podia sentir as folhas balançando forte alarmadas por uma situação não vista cotidianamente, e a terra abraçando meu pé a cada segundo que eu encostava.

Eu já estava muito longe da cidade, no meio da floresta, quando minhas pernas pararam de responder aos meus comandos e eu caí, por sorte, perto de uma pequena caverna. Tão pequena que não fazia sentido algum animal viver ali, e quando deitei sob as folhas e olhei para fora onde tudo estava prateado em um banho profundo sob a luz da lua, não senti medo algum. Por alguns segundos eu senti em meu sangue como se eu fosse eu, e ao mesmo tempo, tudo aquilo. Meu sangue ferveu em tons prateado e eu pensei em como eu temia a floresta a noite, mesmo sendo bastante familiarizada com ela por ter passado muitas tardes brincando sozinha com alguns gravetos e borboletas, em minha infância.

Diante de tanta magnificência, adormeci. E sonhei com a fada que eu jurava ter visto dentro de uma árvore na rua em que eu morava, mas agora, havia apenas um relance de sua imagem em minha cabeça.

Um longo banho prateado em minha mente em um sono profundo. Desalento. Magia. E eu acordei novamente.

A floresta a minha frente desaparecera e passei a mão em um muro que parecia ser feito de pedra. Do outro lado, onde havia o fundo da caverna, entrava um facho de luz por entre folhas trepadeira. Todos costumavam me dizer que eu tinha uma imaginação muito fértil, que eu tinha muita criatividade e precisava ter cuidado pra não confundir imaginação com realidade, e eu estava me firmando nisso, tentando não pensar que enlouqueci de vez. Não havia como eu ter rolado por toda a caverna, eu não costumava me mexer dormindo. Também não era normal que nascessem trepadeiras em 12 horas. Levei as mãos à cabeça balançando-as por cima, tentando afastar esses pensamentos, e então, apenas deixei minha mão seguir o facho de luz. Afastei as folhas e logo cobri os olhos, o sol parecia estar seis vezes mais reluzente, mas pensando bem, eu estava dentro de uma caverna escura. Isso eu podia explicar pra mim mesma, mas eu não encontrava nada que me explicasse o porquê de a floresta estar com mais árvores, mais pedras e mais brilhante. Haviam mais pássaros, alguns eu nunca tinha visto antes. As árvores pareciam dançar em uma harmonia feita por ventos que eu quase podia ver. Era fresco. E os narizes podiam sentir um agradável cheiro de terra.

Caminhei por um trilha que parecia se formar sozinha com as folhas que caíam das árvores e deparei-me com um riacho, as águas eram tão límpidas que eu podia ver os detalhes de minha roupa com precisão, e fiquei, por um tempo, hipnotizada. Meu colar com uma árvore parecia brilhar devido aos raios de sol, e minha blusa branca formava um plano de fundo perfeito para que ele parecesse uma árvore-estrela brilhando em um céu cheio de nuvens. Na barra das mangas longas e frouxas da minha blusa, haviam listras amarelas que combinavam com a minha saia, que por sua vez, era frouxa com camadas róseas e amarelas. Eu estava com minha meia favorita, ela era roxa e subia até o joelho. E também calçava minha bota favorita, era simples e marrom. Senti uma vontade enorme de entrar na água, e já ia me despir quando ouvi passos rápidos atrás de mim.

Olhei rápido e me deparei com uma criatura pequena que me olhava desconfiado. Sua barba pequena, mas pontuda, acentuada pelo seu longo cabelo dourado e chifres grandes e curvados faziam-lhe parecer fielmente à um bode. Usava uma blusa que lhe ia até o joelho, vermelha, e um short alaranjado que só dava para perceber a barra. Reparei que ele carregava alguns cogumelos embolados em um pedaço de pano rasgado. Ele parecia estar amedrontado com minha presença, vi em seu olhar que queria correr, mas tinha medo.

- Me chamo Lyunee. Moro em NorthVillage. Sou Lyunee de NorthVillage.

O homenzinho continuava a me olhar, imóvel, e eu não sabia o que fazer. Minhas palavras soaram tão soltas e desajeitadas que eu não queria mais falar nada, embora quisesse romper com aquele silencio constrangedor. Então decidi sentar-me no chão e colocar as botas que havia tirado para entrar na água. Estava enlaçando o último nó no cadarço quando o homenzinho correu perdendo-se por entre as árvores e deixando seus cogumelos pelo chão. Levantei-me e peguei alguns. Eram cogumelos azuis. Um azul fosco. E logo pensei que, se não fossem venenosos, dariam uma ótima torta.

- Vou chamá-los de mublus. - Exclamei.

- Mublus é um ótimo nome. - Disse uma voz vinda das árvores.

Corri tentando alcançar a voz, eu não podia acreditar que uma árvore estava falando comigo. Aquilo não podia ser real. Embora a voz fosse doce, parecida com a de uma criança travessa e eu acreditasse que todas as árvores altas tivessem vozes de velhas sábias. Corri e abracei a árvore.

- Você é uma árvore e está falando comigo? Eu preciso fazer essa pergunta direta pois em todos os filmes que isso acontece as pessoas nunca perguntam sabe? Como se isso fosse normal pra elas mas não é pra mim, então eu preciso saber.

-  Não sou uma árvore, criaturinha. Estou aqui em cima. Mas eu posso ser com ela até certo ponto. - Sua resposta veio acompanhada de uma risada debochada porém sem maldade, como se toda aquela situação estivesse sendo divertida.

A criatura pulou de um galho acima da minha cabeça e sua aparência era a mais majestosamente bela que eu já havia presenciado. Era uma figura pequena, magra e verde com uma cauda. Seus cabelos eram róseos cortados ao ombro, desigualmente, como se ela tivesse cortado por si só. Seus olhos eram grandes e curiosos, combinavam perfeitamente com seu rosto redondo. Haviam também marcas lilás em seu rosto e seus olhos eram castanho claro, quase amarelados. Suas mãos e seus pés eram de cor lilás e a ponta de seus dedos, ásperos. Vestia um roupa feita á mão, provavelmente por ela mesma, de cor marrom. Ela me olhava com um ar curioso como se esperasse que eu falasse a primeira palavra.

- Estava aí o tempo todo? - Perguntei gentilmente.

- Sim. É meu tempo de refeição e essa é minha árvore de comer. Aquela mais a frente é a minha árvore de dormir e aquela ao lado é minha árvore de fazer coisas. - Respondeu ficando de pé e apontando para todas as árvores as quais se referia. - Lyunee é um nome bonito. Você é Lyunee de NorthVillage e eu sou Yanki de Turkaysien. Não. Sou Yanki das árvores de Turkaysien.

- Então aqui é Turkaysien? Nunca ouvi falar desse lugar.

- Você é uma humana. Eu sempre quis ver uma assim. Os humanos não conhecem Turkaysien. Eu te vi ali deitada mas não entendo como apareceu aqui, pode me explicar?

Fiquei confusa após essa pergunta e a naturalidade que eu estava levando aquela situação, de estar conversando com uma pessoa verde que parecia um camaleão, esvaiu-se. Eles não tinham contato com humanos e era normal uma garota de pele verde, eu vi um duende e cogumelos azuis e não sabia como voltar pra casa. A luz do sol brilhou forte sob meus olhos e vi Yanki pular em seu galho novamente como um borrão. Apaguei.

TURKAYSIENWhere stories live. Discover now