5ª Dose

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#FlocoDeNeveJKK

❄️❄️❄️

Seul, Coreia do Sul. 24 de setembro de 2023.

● Park Jimin ●

Nem as nuvens ousam sujar o céu pintado em várias gradações de azul.

Através das paredes de vidro do salão de embarque, observo.

Até mesmo o sol só se manifesta para realçar as nuances de índigo e cobalto do meio-dia no infinito acima de nós e o verde dos gramados que ladeiam a pista de pouso do aeroporto de Incheon. Uma revoada de pássaros negros, contudo, surge no azul imperturbável e risca a paisagem, migrando em direção ao sul. Eles cortam os céus, indomáveis, pairam em meio às correntes de vento e somem na linha cinérea do horizonte urbano além da campina, onde o anis enfraquece entre as montanhas de metal e concreto da metrópole.

Lá, os arranha-céus cedem seus ares extravagantes a Seul, a cidade que deixo para trás, não para viajar livre em direção ao futuro, mas para me reencontrar com um passado que prefiro esquecer. Uma onda de memórias traumáticas me ameaça e eu a empurro para um lugar escuro da mente. Afago as palmas das mãos em um gesto apaziguador e respiro fundo, seguro. Não terei uma crise hoje, tomei o remédio, me lembro. Ainda assim, um calafrio percorre minha nuca. Fito o céu e me apego ao pensamento sobre os pássaros para me distrair.

Admiro-os. Eles viajarão por quilômetros a fio até chegar aos seus destinos e conhecer um pouco mais desse ciclo cabalístico que é a vida, sem medo do que está por vir. Para eles, cada limite representa um novo começo, uma nova aventura. Sorrio forçado e os invejo, uma vez que fui preso em uma redoma pelo medo, enquanto os pássaros ostentam liberdade. Para mim, cada começo representa um novo limite, um novo tormento. Solto um suspiro cansado e o céu sobre a pista de pouso deixa de ser meu foco. Encontro-me comigo mesmo.

Vejo meu reflexo diáfano como um espectro na parede de vidro do salão de embarque. Esse sou eu. Por fora, um cara qualquer, tranquilo à espera do voo, vestindo jeans, camiseta, jaqueta de couro, botas e chapéu bucket, todos pretos. No entanto, a ausência de cores revela a rachadura nessa suposta serenidade: meu humor. Em mim, todas as cores morrem em um luto amargo. Sou caos por dentro porque uma velha inimiga, a ansiedade, me segue como o coiote persegue o Papa-léguas, me bagunçando, descontrolando, machucando.

Os remédios até a entorpecem, mas ela ainda está aqui, sussurrando, me levando a um ciclo nocivo em que não vivo o presente porque me lembro do passado e temo que o futuro seja só a repetição grotesca dos meus traumas. Por isso, eu fujo do futuro. Quando não vejo outra saída, não faço como os pássaros nômades e livres, eu fujo. Fugi do meu pai, de Jungkook, da escola, de Busan. Quando parti, prometi que não voltaria. No entanto, por ironia do destino, aqui estou eu, diante de todas as minhas fugas, ao lado de Jeon, indo me despedir do meu pai... Em Busan.

Por que eu não invejaria os pássaros? Se fosse como eles, cruzaria os céus sem nada temer e o vento seria minha única barreira. Mas não. Nunca poderia ser como eles. Os pássaros são saudáveis e eu, doente. Eles são livres e vívidos e eu estou medicado, anestesiado. Não posso ser uma ave errante solta na ventania, porque sou um incêndio abrandado até as cinzas para evitar a autodestruição. Não posso ser um passarinho voando em direção ao futuro, porque sou o orvalho congelando no frio do alvorecer sem evaporar, não me deixo alforriar.

Minhas emoções adormecem como sons se dissipam no silêncio.

E não saem, não extravasam. Elas ficam enjauladas no peito.

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⏰ Last updated: Dec 22, 2021 ⏰

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Lítio ● jjk + pjmWhere stories live. Discover now