A Provação e a Ressurreição

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Acanhado com sua ignorância, Aruim se pegou imaginando aquela galáxia que se consumia com o tempo, tanto seu nascimento, quanto sua morte, quanto seu renascimento, todas as etapas regidas por um mesmo tempo, invariável, implacável e cíclico. 

- Agora volte a imaginar que o tempo voltou a "funcionar". Ele é a única entidade que estará presente em tudo e durante a eternidade, sem nunca falhar. Por isso não pode falar que tem total conhecimento sobre seus atos, pois não tem. Você não pode, ninguém pode. Somente o tempo. Disse que há pouco deu cabo de todas as facções e guerras futuras, mortandades, mas EU sei, como emissário do tempo, que a única coisa que fez foi retardar os fatos. Tudo o que evitou ou permitiu hoje não passaram de ações paliativas. Os planetas que permitiu crescer morrerão, as revoluções que impediu acontecerão com nova roupagem, a Roma que recusou queimar, as pestes e crueldades que freou, em um futuro próximo ou tão longínquo quanto minha própria existência, queimarão e atacarão com igual ou maior intensidade. 

Uma densa bruma irrompia do céu, tomando parte da noite. Consumida pela ventania, ela talvez fosse mais um emissário do tempo, que estava ali, para assustá-lo também. 

- Pode ter evitado milhões de mortes no passado, mas hoje o caos será inevitável. Ninguém mexe com o tempo e fica sem uma retribuição. 

- Ah, então é isso? Essa é a minha grande lição: não mexa com o tempo, pois ele é um brutamontes que te espanca na hora do recreio? - Aruim jogou-se no chão. A gargalhada fora inevitável, era como um jorro desintoxicante, livrando-se de todo aquele veneno consumido. - Não acredito que eu pensava ser uma espécie de deus, com total controle de TUDO, quando na verdade, TUDO não passava de um teste, uma forma de provar a mim e a TUDO a minha volta, que o tempo é inexorável. - olhou no fundo dos olhos de Janeiro, com a cólera em seu sangue. - E VOCÊ me fez entrar nessa! 

Já investia de encontro ao peito de Janeiro, pronto para testar se o emissário era capaz de se safar de um bom soco, quando recebeu a resposta que mais desejava desde que seus olhos abriram naquele dia. 

- Eu não fiz nada. Você encontrou a lâmpada, ela não apareceria se não fosse para ser VOCÊ! 

- Mas eu poderia ter desistido... 

- Não depois de me oferecer chá. Sabe que oferecer uma xícara de chá denota receptividade. Em nenhum momento lhe obriguei a nada. Mas não se zangue, é como no ônibus, ao rolar da catraca a única forma de descer é seguir até o final... É o que precisa fazer. 

Sem muita motivação, Aruim seguiu, os pés cansados de tanta excitação, os ossos clamando por sua cama, onde um belo sonho regado a cucos, ponteiros e engrenagens o resgataria daquela realidade sufocante. Suas súplicas eram audíveis... Fechou os olhos ao rolar o dado, com a intenção de que ao tornar a abri-los, ele desapareceria com toda sua culpa. Mas isso não ocorreu e com um quicar irritante, um 7 brotou na face do dado. 

- Onde estamos e por que está tudo preto e branco? 

- New Jersey, 1879. Não sabe por que está tudo sem cor? 

Infelizmente Aruim sabia, mas gostaria de esquecer. 

- Este é o laboratório do Feiticeiro de Menlo Park, precisa conhecê-lo. 

- Feiticeiro? Não sabia que existiam essas coisas em Senactus. 

- Cale-se! Ele está logo ali. 

Por detrás de uma coluna guiada por invenções e ferramentas estranhas, com fios e madeira, estava um senhor grisalho, vestes sóbrias de época, abotoadas e gravata borboleta no pescoço. O rosto tempestuoso não conseguia esconder um olhar doce de avô. Confiante, trabalhava em algo, assinando os resultados em folhas e cadernetas espalhadas pela mesa. 

O Emissário do TempoWhere stories live. Discover now