VIDA LONGA AOS REIS

376 67 143
                                    




A História estava sendo escrita diante de meus olhos.

Nunca pensei em como isso era estranho. Acho que quando se faz parte da História, tão ativamente, ficamos incapazes de perceber que somos muito além de marionetes puxadas por cordas invisíveis, ao contrário do que Eudo nos faziam acreditar. Um inofensivo comentário pode desencadear um novo capítulo na história de um reino. Uma atitude irrefletida, duras verdades ouvidas por detrás de uma porta, todos nossos atos têm conseqüências. Para Pedro, Aurélia e os outros eram apenas conseqüências maiores. Que atravessavam fronteiras, que podiam iniciar guerras, matar milhares e destruir reinos.

Ninguém disse que seria fácil ser herdeiro de um trono.

E agora, lá estava eu, em Diamantina para a última e mais importante coroação. A da rainha Zoé. Todos os outros príncipes de Eudo já haviam tido suas próprias coroações, mas elas só seriam validadas depois que eles fizessem seus votos de vassalagem a rainha do maior reino entre todos.

Os derradeiros dias de verão, anunciados por meados de março, davam um céu azul e firme, sem nuvens ou sinal de chuva. A luz do sol era pálida, mas à medida que a manhã fosse avançando teríamos um dia ensolarado.

Olhando timidamente para trás eu via fileiras de banco a perder de vista. Quase não era possível enxergar a pequena amostra de povo a qual fora permitida a entrada, de pé, ao fundo do salão, onde os arcos de entrada estavam cercados por soldados de todos os reinos. À minha frente havia seis fileiras dos nobres mais próximos dos reis e mais importantes, além é claro, dos sacerdotes ocupando a primeira bancada. Aqueles eram os lugares de alto privilégio.

No comprido tablado a nossa frente os sacerdotes terminavam o culto falando qualquer coisa sobre as conseqüências de ser um mau governante e dos castigos de Eudo. O toque de uma corneta anunciou a entrada da princesa Zoé.

Senti um arrepio minha nuca e eu pensei nos seis herdeiros, esperando seu momento de subir ao tablado, impacientes na parte fechada do salão.


Zoé insistia para que suas servas a aprontassem até o ultimo segundo, como se ela já não estivesse maquiada o bastante ou seu cabelo já não estivesse pronto há horas, com uma peruca loira cobrindo as poucas mechas que ela exibia na cabeça. Seu vestido era suntuoso, em tons prateados que chocaram os sacerdotes por não respeitar a convenção de se usar trajes com as cores do reino naquele dia tão solene. Mas é claro que Zoé jamais se submeteria à vergonha de aparecer diante de seus amigos ricamente trajados, portando um vestido cinza!

Era uma figura imponente. Mas também chegava a ser ridícula.

O contraste entre Zoé e suas amigas era visível. Aurélia parecia uma pequena senhora com seus cabelos divididos em duas tranças em torno de suas orelhas. Usava um vestido especial para a cerimônia, dourado, coberto com os floreios negros de nosso amado brasão. Os floreios representavam as margaridas, símbolo de nosso reino.

Com os braços escondidos atrás das costas ela torcia os dedos e buscava em Luiz Fernando o conforto que não conseguia ver em Pedro. Conversava com o herdeiro de Nova Nanuque, tentando, todo o tempo, trocar olhares de cumplicidade com Pedro, que estava sempre de costas, afastado de todos, vendo a coroação da qual eles ainda não faziam parte, através da janela.

– E não deveríamos ter de depender de barcos o tempo todo. Ou pelo menos, não de barcos tão precários como os que temos hoje. – Luiz Fernando discorria com prazer sobre suas visões para o futuro – Eles podem ser mais velozes e mais seguros também. Há homens em Nova Nanuque que tem idéias fantásticas a respeito de meios de transporte. É um novo conceito que está surgindo...

Aurélia ouvia sem realmente escutar. Balançava a cabeça, sentindo que aquilo não fazia o embrulho em seu estômago passar. Ela deveria estar feliz. Luiz Fernando quase nunca parecia tão empolgado ao conversar com ela, falavam sempre sobre amenidades. Por que então ela não conseguia se concentrar no assunto e parar de pensar que Pedro lhe parecia mais um estranho do que seu querido irmão?

Herdeiros Malditos [CONCLUÍDO]Where stories live. Discover now