O Número Desconhecido

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Jonas andava de um lado para o outro com o telefone na mão. Ele já o segurava há tanto tempo que seu suor molhava o aparelho. Seu amigo, Gustavo, lhe passara o número "daquela que poderia ser". Pelo menos essa era a forma como Gustavo se referia à mulher que Jonas secretamente observava todos os dias no metrô.

– Como você conseguiu o número dela?

– Você até manda bem na parte técnica, mas sabe que eu é que domino a intermediária. – Jonas sabia que isso era o máximo que conseguiria dele.

Ele havia acabado de chegar da faculdade, jogou a mochila no sofá e pegou o telefone. Com aquele número ele poderia adicioná-la no WhatsApp e estabelecer uma conversa impessoal e sem graça... Mas ele gostava de manter as coisas simples, ou pelo menos achava que sim.


Paula estava correndo, como sempre. Ela voltava do trabalho para casa, onde tomaria um banho, comeria o resto de lasanha de micro-ondas que sobrou na geladeira e voltaria para a estação de metrô, a caminho da faculdade noturna. Ela mantinha essa rotina já há quase quatro meses e o estresse estava começando a pesar.

Seu celular tocou no bolso.

Era um número desconhecido. Ela pensou em desligar de uma vez, porque as únicas pessoas que ligavam para ela eram seus pais e, mesmo não tendo salvo o número novo de seu pai, o código de área não batia. Garfunkel ainda teve tempo de cantar mais um verso de Scarborough Fair em seus fones antes de Paula atender.

– Alô?

– Eu me atrapalho bastante com o horário de verão e nunca sei se devo dizer boa tarde ou boa noite às sete horas... Quer dizer, o sol ainda está no céu.

– Oi?

– Desculpa. Você não me conhece, mas essa provavelmente vai ser a conversa mais estranha que você terá esse mês. Isso se você não trabalhar com telemarketing...

– Cara, do que você tá falando? – Paula apertou o celular contra a orelha e diminuiu um pouco o passo.

– Eu sei, eu sou péssimo com isso. Bom, meu nome é Jonas.

– Ok, Jonas, por que você me ligou?

Ela estava chegando à esquina de casa, então sacou as chaves e separou a do portão. Ela fazia isso com tanta frequência que nem precisou da outra mão.

– Eu te vejo, às vezes... Eu te vejo na linha amarela do metrô, quase toda manhã.

– Olha, Jonas, eu estou bem atrasada agora, se você puder explicar melhor o porquê de estar ligando para uma mulher que só conhece de vista... – Ela chegou ao portão de casa, o abriu, pegou a chave da porta da frente e a destrancou também. Já entrou jogando os sapatos pro lado. Trancou só a porta, para evitar atrasos na hora de sair.

– Beleza, versão resumida: eu te vejo quase todo dia no metrô, contei isso para um amigo e ele me conseguiu seu número.

Paula trocou o celular de orelha e olhou o relógio de parede. Ela ainda tinha algum tempo, podia tentar entender qual era a daquele maluco.

– Tá, tá... Você é um stalker tarado ou um maníaco sem noção?

A resposta demorou a vir e Paula percebeu que poderia ter sido grossa demais.

– Alguma amálgama das duas coisas. Talvez eu não devia ter ligado.

– Me desculpa, mas é que eu estou realmente atrasada agora... – Ela ouviu um barulho familiar vindo do outro lado da linha. – Isso aí é Lou Reed?

– Ah, é, foi mal, eu coloquei pra tocar aqui mas não pensei que desse pra você ouvir.

– Não são muitas pessoas que conhecem Lou Reed hoje em dia, ainda mais aqui.

– É, e menos ainda os que gostam.

Paula sorriu com o canto da boca. Aquele maníaco stalker tarado sem noção tinha bom gosto pra música.

– Se você está muito atrasada agora, pode desligar. Só promete que vai me ligar de volta.

– Eu não vou te ligar.

Demorou mais alguns segundos até a resposta chegar.

– Então, pelo menos me diz seu nome.

– Vai ter que perguntar pessoalmente, Jonas... No metrô, amanhã.

Ela escutou uma bufadinha vinda do outro lado da linha e a interpretou como um riso abafado.

– Ok. Boa tarde então.

– Boa noite.

O Número DesconhecidoWhere stories live. Discover now