Capítulo quinze - O desespero da escuridão (Parte 1)

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Hoje, apenas uma coisa a declarar: postei esse capítulo e saí correndo!


Não me odeiem (muito), please!


Beijos e boa leitura!


Capítulo quinze

O desespero da escuridão

Ela não sabia se era dia ou noite, tampouco há quanto tempo já estaria sozinha vagando completamente sem rumo. Mal conseguia descansar, pois quando parava para dormir despertava a qualquer mínimo ruído, temendo que isso representasse alguma ameaça.

Já fazia quanto tempo que ela convivia com a escuridão? Oito anos? Isso dava quase dois terços de sua vida. Tinha sido tempo mais do que suficiente para que ela aprendesse tudo o que fosse necessário para compensar a falta de um dos sentidos. Além disso, ela era uma guerreira. Uma Guardiã que despertara sua energia muito mais cedo do que a média. Era forte, era competente, era habilidosa...

Mas não naquele lugar.

Fora da pior forma que ela descobrira que, naquele mundo, ela era exatamente o que os outros guardiões viam nela: a garotinha cega, desprotegida... Assustada.

O medo parecia ser o que mais a incapacitava. E se andar sem rumo por um mundo desconhecido, sem qualquer aparato que lhe garantisse um mínimo de orientação já era, por si só, aterrorizante, o som dos trovões cortando o céu tornou tudo ainda pior. Quando a chuva começou a cair, a menina sentiu o desespero tomar conta de si e passou a caminhar mais rápido, numa busca mal sucedida por qualquer lugar que lhe oferecesse proteção. O som da chuva trazia a ela as piores recordações.

De repente, sentiu que pisava em falso. O pé deslizou por um barranco, fazendo com que ela caísse pela íngreme descida até chegar ao final. Ainda no chão, Ling Su tateou ao redor e descobriu um buraco na subida do barranco. Estreito, mas o suficiente para abrigá-la. E ali ela entrou, encolhendo-se e tremendo, lutando para controlar aquela sensação de pânico.

Encolhida, lembrou-se do motivo de terem ido para o Mundo Youkai, para salvar a gêmea do próximo Guardião de Sagitário. Uma menina poucos anos mais nova que ela. Pensou que, caso ela se perdesse naquele mundo maldito, não haveria ninguém para se preocupar com ela. Ninguém que tivesse a intenção de ir até lá para salvá-la.

Sendo assim, ela precisava ser forte o suficiente para enfrentar seus medos e salvar a si mesma. E teve ainda mais certeza disso ao sentir uma forte fonte de energia youkai se aproximando. Num súbito de coragem, arrastou-se para fora de seu esconderijo improvisado. Ainda estava no chão quando ouviu a voz que lembrava a de um menino de mais ou menos a sua idade.

— Levante-se logo daí. Você vai comigo até a barreira para voltar para o seu mundo. A não ser que esteja a fim de morrer.

*****

Quando as primeiras gotas de chuva caíram sobre seu corpo, Hikari não esboçou nenhuma reação de se levantar. Estar deitada sobre Qiang, as peles suadas unidas, sem qualquer camada de roupa entre elas, trazia-lhe uma sensação absolutamente reconfortante. Pensara em quantas vezes o desejara, em com quantos caras tinha ido para cama fantasiando que fosse com ele... e no quanto aquilo tinha sido tão bom quanto ela sempre imaginara que seria. Na verdade, ainda melhor. Agora, tudo o que ela desejava era poderem estar em outro contexto, em outro local, em outra situação, em que ela pudesse se dar ao luxo de adormecer naquela sensação de paz dos braços dele, para acordarem juntos e repetirem os momentos de prazer antes de iniciarem um novo dia.

Porém, ainda que tivesse a consciência de que aquilo não seria possível, não contava que ele fosse ter a reação tão súbita de tirá-la de cima dele e se levantar, indo recolher suas peças de roupa espalhadas pelo chão e começar a se vestir. Hikari se sentou, olhando um tanto incrédula para isso.

— Sei que temos coisas importantes e urgentes para fazer e tudo mais, mas... Podia se levantar com um pouco mais de delicadeza, né? Não como o diabo fugindo da cruz.

Ele parou, segurando uma peça de roupa nas mãos, pensativo. E retrucou, sem sequer olhá-la:

— Isso não devia ter acontecido.

— Que estranho você dizer isso. Você bem que pareceu ter gostado. E muito, aliás.

Ele finalmente a encarou, passando a falar mais alto:

— Que inferno, será que você não entende?

— Até posso tentar entender, se você tentar me explicar.

— Eu já disse o que eu tinha para lhe dizer. Eu não sou um bom homem para você. Não sou um bom homem para ninguém. Eu sou um solitário, Hikari. Uma porra de um sujeito que não tem a menor sobra de dúvidas de que vai morrer sozinho.

— A sua solidão é uma opção sua. Você se isolou de todos que poderiam vir a ser seus amigos. Se afastou da sua própria filha. Você se afastou da mulher que... — Ela mordeu o lábio inferior tão forte que o sentiu prestes a sangrar. — ...da mulher que não conseguiu parar de pensar em você durante os últimos dez anos.

— Esse sou eu, Hikari. E eu não vou mudar.

— Por que você não me deixa tentar? Por você não se permite tentar? Será que não vale a pena por mim? Pela sua filha?

— É principalmente por você e por ela que eu não quero tentar. Porque sei que o melhor para as duas é ficarem longe de mim.

Hikari voltou a morder os lábios. Dessa vez, conseguiu sentir na boca o gosto metálico do próprio sangue. Furiosa, levantou-se e recolheu as roupas do chão. Vestiu rapidamente a calcinha, a calça comprida, o sutiã e os tênis sem cadarço. Com a blusa de manga e o casaco na mão, encarou Qiang e falou:

— Tem razão, sabia? Você vai morrer completamente sozinho.

Apanhou a mochila, o sabre e saiu andando, vestindo o restante das roupas pelo caminho. A chuva começava a ficar mais pesada, dificultando sua visão, mas ela não se importava. Deixou o comunicador dentro da pequena mochila impermeável. Apesar de saber que o aparelho era a prova d'água, sabia que não conseguiria enxergar qualquer coisa na tela debaixo daquela chuva forte. Pelos primeiros aproximadamente cinco minutos ela caminhou completamente sem rumo, deixando sua mente concentrada em xingar Qiang com os piores palavrões que ela conhecia. Até que algo aconteceu para arrancá-la daquelas divagações: sentiu um youki, que parecia estar a uma curta distância de onde ela estava. Passou a usar aquela fonte de energia como seu guia e mudou a direção, passando a correr rumo ao local onde aquele youkai deveria estar. Poderia parecer um ato impensado, mas Hikari teve um palpite de que uma energia tão poderosa só poderia vir de um dos generais de Cyane, que provavelmente estava ali atrás de um dos guardiões. E, pelo que ela tinha visto na última vez em que olhara o localizador, a guardiã mais próxima a eles era Ling Su.

E se o pai daquela menina não valia grande coisa, Hikari estava mais do que disposta a protegê-la.

*****

Guardians II - MetamorfoseWhere stories live. Discover now