Prólogo

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  • Присвячено Caroline Muller
                                    

20 anos antes

            - Você não pode pedir figa quando eu estou quase te pegando. Isso não vale. – Tiago diz, enquanto faz cara de frustrado.

            - Posso sim. Você não falou nada sobre isso, quando conversamos sobre as regras da brincadeira. – Respondi, como sempre, bancando a engraçadinha e colocando as regras ao meu favor. – Além do que, combinado é combinado. Se não é combinado, está ralado.

            Meu nome é Annelise Pimenta, tenho oito anos e estou brincando com meu vizinho Tiago. Além de meu vizinho, ele é meu colega de classe, apesar de ser um ano mais velho que eu. Ele sempre diz que a dona Neide, mãe dele, não queria que ele fosse para a escola, até que um dia o pai dele obrigou-a a deixá-lo ir, como um garoto normal.

            Parece que ele era doente quando era bebê e por isso dona Neide ainda o trata como se tivesse dois anos.

            Tiago é um garoto magrinho, sardento e de cabelo loiro. Ele possui olhos verdes, que sempre ficam vermelhos quando ficamos correndo no sol. As nossas mães sempre brigam quando passamos muito tempo brincando pelo nosso Bosque do Segredo, mas é mais forte que nós. O Bosque do Segredo é nosso lugar favorito no mundo. Ele fica no final da nossa rua e não é muito grande, mas tem muitas arvores e é bem isolado dos olhos curiosos e controladores de nossos pais. Aqui podemos fazer tudo o que nossas famílias não deixam, como por exemplo, correr descalço e no meu caso, soltar meus cabelos ao vento.

            Assim como a mãe do Tiago, a minha também não é nada fácil. Ela não gosta de ver meu cabelo solto. Como ele é comprido e cacheado, acaba embaraçando e depois dá um trabalho enorme para penteá-lo, por isso minha mãe insiste em fazer um coque, no estilo bailarina, sempre que venho brincar. Coque que sempre desfaço quando chego ao Bosque dos Segredos.

            Apesar de eu ser muito magra, feia e desengonçada, consigo correr e subir em arvores com facilidade, mas uma coisa me tira do sério, enroscar meu cabelo em galhos e folhas.

            Foi por isso que pedi ‘figa’, que é uma espécie de intervalo, na nossa brincadeira de policia e ladrão. Enrosquei meu cabelo em um galho enquanto corria e preciso tirar as folhas que estão presas na minha cabeça.

            - Ti, só espera um minutinho. Preciso tirar essas folhas e vou ser obrigada a prender meu cabelo, ou vai ficar sempre enroscando.

            Tentei explicar o motivo, mas como ele é um menino, não entende.

            -Você poderia amarrar ele depois que eu pegasse você. Porque eu estava quase pegando. – Diz ele, ainda chateado por ter que ficar parado onde está, enquanto eu termino de amarrar meu cabelo.

            Como não sou boba, aproveitei que ele estava distraído, terminei de amarrar o cabelo e corri o mais rápido que pude. Vi minha salvação a poucos metros. Uma arvore onde poderia subir e não seria alcançada pelo Tiago, porque ele não sobe em arvores. Acho que ele tem medo de altura.

            Quando estava subindo, ele me alcançou resmungando e xingando, dizendo que eu era uma trapaceira. Enquanto eu tentava subir mais alto, ele segurou minhas pernas e me puxou para baixo, soltei uma das mãos para empurrar a cabeça dele, mas nesse momento me desequilibrei e cai em cima dele, o fazendo cair de costas no chão.

            Foi muito rápido. Só consegui ouvir os nossos gritos assustados e depois senti a dor e a ardência no meu braço.

            Na queda, Tiago e eu cortamos o braço em um galho que estava no chão. Meu braço esquerdo e o braço direito dele estavam cortados como se tivessem passado uma espada. Era uma linha reta que começava no braço dele e terminava no meu, ou vice versa.

            Nossas roupas além de sujas, estavam rasgadas. Meu vestido amarelo favorito estava com um rasgo enorme na manga e a camiseta azul dele também.

            - Droga. Estamos ferrados. – Disse Tiago enquanto levantava debaixo de mim. – Olha o estado da nossa roupa. Minha mãe vai me matar.

            - Nosso enterro vai ser junto, porque a minha também vai me matar. – Eu concordei, falando lentamente, enquanto olhava com calma o tecido rasgado da camiseta dele ficar com uma cor mais escura

– Ti, o que é isso? – Perguntei enquanto virava meu rosto para olhar o meu próprio braço e ver o liquido vermelho escorrendo.

Enquanto eu me sentia fraca e com a visão turva, eu consegui ouvi-lo dizer:

- É sangue, Anne.

Então a escuridão me dominou e eu apaguei com a ponta dos dedos manchados de vermelho.

Às Voltas Com o Amor -  Anne - (Capítulos Degustação)Where stories live. Discover now