CAPÍTULO 10 - FREEDOM

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DIA 03

O dia parecia ter começado belo demais para ser verdade. Até que Lóthus recebeu uma mensagem de Marcus.

"Encontre-me no bosque do MDT o quanto antes.

Marcus."

Direto, como sempre. Minutos depois de receber a mensagem, a ninfa saiu em direção ao Mar dos Tritões para encontrar o centauro.
Não estava sendo fácil levar a vida daquele jeito. Eram três dias sem Písidon, e três dias em que o medo tomava conta de todos. Ninguém sabia o que os ciclopes estavam aprontando.
Ao se aproximar do MDT, a ninfa pôde ver Marcus.
- Marcus, perdoe a demora eu -
- Temos problemas.
A voz de Marcus era profunda. O centauro estava de costas para a ninfa, de modo que podia observar o mar e o sol que terminava de nascer no horizonte.
- O que houve?
- Meus homens se arriscaram até as montanhas para tentar achar alguma coisa - o centauro se virou para Lóthus, em seu rosto era visível o sangue escorrendo - Voltamos em trio.
Apressada, a ninfa se aproximou do amigo e limpou o sangue, recebendo reclamações do centauro.
- Céus, Marcus. O que deu em você?
- Precisamos fazer algo, Lóthus. Pelo menos descobrir o que está acontecendo por lá.
- Precisamos é sobreviver até que Písidon volte!
- Nós temos mais dois dias, Lolo. Dois dias inteiros. Dois dias de mais mortes e invasões. Você viu muito bem o que aconteceu ontem com o vilarejo que os ciclopes invadiram. Não sobrou uma alma para contar o que houve! E o pior é que não são só ciclopes, Lóthus. Têm mais.
Lóthus tinha certeza que seu coração tinha parado.
- Como assim... mais?
- Trolls, centauros revoltados, fadas vermelhas e roxas, ninfas amarelas, tritões e sereias. Tudo o que você imaginar, eles têm um pouco. O povo está se revoltando, Lóthus. Eles estão se virando contra nós! Não há tempo para descansar! E mesmo que Písidon acorde, você sabe muito bem que ele precisará de mais um dia para adaptação. Não são cinco. São seis. Não são mais dois dias esperando um milagre, são três. É tempo o suficiente para morrer todo mundo!


+


Já fazia um tempo que havia a suspeita de que Scarlett, na verdade, estava enlouquecendo. Desde que chegaram, Demétrius observara a amiga e vira que ela não batia bem. Não dormia, falava consigo mesma, tentara matar uma das fadas e quando questionada sobre o assunto, havia dito que não se lembrava.
A verdade é que isso gerava medo em Demétrius. Sua obsessão por Zara parecia ter acalmado Scarlett, mas nada era certeza. Ninguém, nem mesmo as fadas, podia fazer algo se não deixar. O problema era que agora Zara não aparecera por três dias e Scarlett sumira. Ninguém eracapaz de achá-la.
Conforme a noite caiu, uma das fadas lhe disse que faria chover. A procura por abrigo faria com que Scarlett voltasse.
Pelo menos era o que eles achavam que aconteceria.

...

Scarlett havia achado aquele lugar como quem acha ouro. Por alguma razão, as fadas não iam naquela região da ilha e ela estava muito agradecida por isso.
Era seu momento de paz. A solidão que tanto queria.
Andava com os pés na areia, deixando-os que absorvessem aquela coisa branquinha com textura estranha. Em uma mão carregava uma agulha que achara das fadas. Uma delas havia deixado cair quando terminara de costurar uma blusa para Scarlett. Na outra mão, o resto da linha que a fada tinha usado em tal ato.
Aproximou-se das pedras que também haviam ali do outro lado da ilha. Sentou-se em uma e ali ficou. Conforme o dia acabava, a maré só ficava mais alta e a ameaça de chuva era evidente nos céus que comportavam raios e seus relâmpagos.
Sentada ali, sentia a água bater em seu corpo e voltar para o mar. Quanto mais a água batia, mais livre a humana se sentia.
As fadas falavam e falavam o tempo todo. Não era de sua intenção ouvir, e nem das fadas de deixar ela ou Demétrius à parte do assunto, mas a confusão era grande. Falavam de um caos gerado em terra. Na sua terra. Um caos que seria capaz de extinguir todas as raças em uma luta sem vitória.
Guerra.
E que os mares eram os únicos lugares calmos e por essa razão os diversos seres que podiam nadar e viver debaixo d'agua, já haviam se refugiado.
Era a liberdade que precisava.
Um pouco mais à tarde, antes de Scarlett sumir, uma das fadas chegou desesperada falando sobre a possível morte de Lóthus e Marcus gravemente ferido por um ciclope. E sobre como o corpo de Písidon havia sumido.
Então era isso? Ela estava destinada a ficar por ali? Pois o líder havia ido embora ou havia sido morto por outro alguém, e ninguém sabia da existência daquele lugar além dele e as fadas.
E Zara.
Zara já não aparecia faziam três dias. Mas é claro, a sereia era livre. Por que se prender à alguém do jeito que estava fazendo com Scarlett? Não havia sentido.
Passando a linha pela agulha – que era diferente de todas que já havia visto – Scarlett sentiu a água bater em suas pernas novamente e voltar.
E iniciou o processo.
- Liberdade...
Fechou bem as pernas. Penetrou sua coxa direita com a agulha e imediatamente uma dor horrível tomou conta de seu corpo. Fez com que a agulha saísse do outro lado e puxou a linha até o final. Fez esse processo até chegar ao final da coxa esquerda.
Só para repetir tudo isso embaixo. Da esquerda para direita, dessa vez.
O zig-zag irregular que se formava na perna de Scarlett era quase impossível de se enxergar. O sangue que saía de sua pele era tanto que a agulha quase escorregara da mão da humana diversas vezes, pois estava encharcada.
A maré subia e quando uma onda batia, a ardência tomava conta de Scarlett, que à esse ponto já chorava e gritava de dor.
Por um momento, a visão ficara turva.
- Liberdade - sua voz rouca já quase não conseguia pronunciar a palavra.
A costura era amadora, Scarlett não sabia como fazer, nunca aprendera. O sangue só jorrava mais e mais, e isso dificultava o trabalho de quem já não sabia o que estava fazendo. A maré estava ficando cada vez mais alta e a dor da água salgada fazia com que ela tivesse que parar por um momento e respirar fundo.
Mais uma onda.
O mar estava ficando mais agitado e Scarlett pôde sentir as gotas iniciais caírem do céu. Não desistiria nem que houvesse uma tempestade.
- Liber - tomou fôlego - dade
As ondas mal se iam e outras maiores e mais bravas vinham em seu lugar. A visão de Scarlett estava embaçada com a chuva que agora se tornara agressiva. Seus cabelos longos, agora molhados, se misturavam à coxa e ficavam empapados numa mistura de água e sangue.
Sua visão ficava cada vez pior e sua força era cada vez menor. Já quase não conseguia penetrar a agulha na pele.
Em sua mente, tudo que passava era a liberdade que ganharia ao se transformar em algo como a Zara. Uma sereia. Era fácil. Afinal, era apenas costurar suas pernas, não?
Sua visão ficou de todo turva, impossível enxergar um palmo nítido à sua frente.
E com esses pensamentos...
A onda final a levou.

FreedomWhere stories live. Discover now