II

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Antes de explicar a sequência de eventos que me levaram cometer este crime, parece-me importante explicar, a quem quer que seja que venha a ler isto, quem era a Vera Fonseca.
De forma simples e direta, a Vera era alguém que podia ainda estar vivo se não fosse uma tremenda puta.
A Vera era uma mulher solteira de 30 anos como tantas outras. Tinha um emprego, um T1 alugado onde vivia sozinha, uma vida social ativa e um gato a quem deu o nome de Berto. Um nome muito estúpido para um gato, mas dizia ela que assim tinha sempre o melhor amigo por perto. Pois... Berto era diminutivo de Alberto e o "Alberto, melhor amigo" era eu. Agora não tenho dúvidas de que Berto, o gato, até sabia mais sobre a vida da Vera do que Alberto, o melhor amigo.
Antes de ser uma mulher independente, Vera fora uma rapariguinha desajeitada. Uma Maria-rapaz que cresceu e se tornou numa adolescente que tinha tanto de bonita como de vaidosa e que dificilmente passava despercebida, fosse pela sua maneira de ser, a sua beleza ou a forma vistosa como se vestia. Durante todas essas fases a Vera teve sempre, para mim, um encanto especial e difícil de explicar.
Fomos sempre inseparáveis mas nunca fomos mais do que amigos. Contra a minha vontade, claro. Eu estava sempre lá para a amparar em todos os momentos e ela pertencia sempre a outro homem qualquer. E isso doía. Doía sempre e em todos os momentos. Mas como acontece às vezes com a dor crónica, acabamos eventualmente por nos acostumar e aprendemos a viver com ela à nossa maneira. Deixamos de fazer certas coisas para evitar as dores e até encontramos uma posição confortável para dormir sem sofrimento. Eram mais ou menos assim os meus dias. Todos eles.

A Vera era morena e tinha uns grandes olhos castanhos que nunca se fixavam em ninguém. Quando chegava o momento de os fixar, sorria e baixava a cabeça ligeiramente, tentando disfarçar a timidez. Logo abaixo, as maçãs do rosto ganhavam vida quando sorria e os seus lábios rosa eram perfeitos e não precisavam de batom, apesar de o terem sempre. Eu odiava aquilo.

Magra e com todos os contornos do corpo perfeitamente proporcionais, não era nenhuma capa de revista. Era melhor do que isso: era real. E eu amei-a com todas as minhas forças.

Quem encontrar o que resta do seu corpo não acreditará nestas palavras nem nestes sentimentos que agora afirmo ter trazido comigo durante anos. Mas as fotografias que encontrarão no meu quarto são testemunha eterna e fiel do que aqui escrevo.

O que aconteceu naquela noite de tempestade não foi mais do que o culminar de tudo o que se foi sucedendo ao longo destes 20 anos em que eu vivi obcecado por ela.

Sei hoje que estava errado. Na realidade nunca estive obcecado pela Vera, mas sim pela ideia que criei dela. Uma ideia falsa. Ela própria ia contribuindo para essa imagem sempre que me escondia tudo aquilo que eu acabei por descobrir nos últimos tempos.

Era uma manipuladora nata, mas nada dura para sempre.

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