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"Nesta curva tão terna e lancinante

Que vai ser
Que já é, o teu desaparecimento
Digo-te adeus
E como um adolescente
Tropeço de ternura, por ti

(...)

Como gostaria de explicar agora o que na altura não sabia
Poder voltar atrás, mas manter a cabeça fria
Adormecer contigo minha maior alegria
Ai como eu te queria
Como seria não termos deixado ser levado pelo vento
Juntos enfrentarmos a erosão que trás o tempo
Juntos conduzirmos pra vida o nosso rebento, é o meu lamento "

Diz-me Só – Deau e Bezegol

Ouvi a primeira pancada na porta há 20 ou 30 minutos.

Aumentaram de intensidade e frequência desde então. Eu sei que é ela. Sabia-o antes de encostar o ouvido à porta e a ouvir sussurrar o meu nome: "Alberto..." murmurou uma voz que soava como se fosse uma névoa baixa e fria. Tem repetido esse nome desde então.

Escrevo este texto enquanto a ouço chamar e a tatear cada uma das paredes. Esta é a minha confissão. Sei que é a última coisa que farei. Sei que ela vai entrar por aquela porta a qualquer momento... E a vingança dos mortos é terrível.

Parece que está em todo o lado. Ouço-a na porta, depois nas paredes, depois junto ao meu ouvido. E no entanto ela não pode estar aqui. Não pode...

Vou começar por admitir que não tenho desculpa. Este papel rabiscado nem é sequer uma tentativa de justificar o que fiz. Não me arrependo. Ela mereceu tanto o que lhe aconteceu como eu mereço o que me vai acontecer. Isto é apenas uma narração das minhas ações da noite de 8 de Dezembro, para que nunca se pense que eu sou um maluco a quem, um dia, se desligou qualquer coisa na cabeça e cometeu um ato tresloucado e inexplicável. Não. Os meus atos são injustificáveis, mas têm uma explicação.
A voz que vem do lado de lá da porta não existe. Não neste mundo. Não desde que eu, com estas mesmas mãos com que seguro o papel e a caneta, a calei.
Sim. Eu, Alberto Ferreira, matei a Vera Fonseca na noite de 8 de Dezembro. Não devia ter sido assim, mas a verdade é que não podia ter sido de outra maneira.

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