Presente mais que imperfeito.

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A mídia internacional vibrou com o retorno de Coffeeman e sua atuação na LIS. O Homem-Café desejava pagar sua dívida para com a SPIA e atuou numa série de missões junto a equipe secundária da LIS e em uma missão maior, no Japão, com praticamente todos os membros atuais da Liga Internacional. Havia algo estranho naquela terra, pois não se passavam dois anos sem que alguma ameaça de proporções gigantescas se abatesse contra Tókio. Um grupo de monstros marinhos colossais surgiu na baia de Tókio e a LIS foi convocada às pressas para evitar que Tókio fosse devastada. Vejamos um pouquinho do que ocorreu por lá:

O Homem-Café havia se dirigido à Rainbow Bridge, na baia de Tókio, onde uma das criaturas ameaçava derrubar a ponte e matar centenas de pessoas que por ali passavam. A ponte estava para cair, mas o Homem-Café projetou a energia negra para fora de seu corpo tingindo a superfície da ponte e deixando-a mais resistente aos ataques do monstrengo. Mas para proteger a ponte, Café ficou vulnerável, sem sua couraça. A criatura gigantesca que combatiam atirou, com um de seus tentáculos, um carro vinha em sua direção para esmagá-lo.

— Cohiiman-san! Ki ô tsuquetê! — disse o herói nipônico, Shiatsu Mega-Boy.

Café se atirou rolando e escapou por pouco.

O herói japonês era magérrimo, seus braços e pernas pareciam gravetos. Vestia um uniforme vermelho e branco colante que evidenciava sua magreza. Seu rosto era largo e quadrado e os dentes incisivos superiores projetados para frente. Apenas uma mecha de cabelo ralo no topo da testa. Em suma, era todo feioso, mas simpático.

— Daijoubu, ka? Cohiiman-san? — Shiatsu o ajudou a se levantar.

— Tô legal, japa!

Os reforços chegavam. O zunido do voo de Sonicstar anunciou a chegada dele e do peso pesado, Rock. A dupla operou o famoso golpe Bomba de Rocha contra a cabeça da criatura, fazendo-a tontear e se afastar da ponte. O Homem-Café aguardou enquanto a ponte era evacuada e depois recolheu sua energia. A ponte tremeu, e parte dela ruiu, levando junto alguns carros. Nada que não pudesse ser logo reconstruído pelos engenheiros nipônicos.

— How about a lift, Coffeeman? — indagou Sonicstar.

— Bora Sony, tem outro bicho feio lá! — ele indicou ao amigo.

— Look, Thundergirl is in trouble! — zuniu na direção do monstro que parecia ignorar os relâmpagos emitidos pela heroina. O Homem-Café foi atirado por Sonicstar com os punhos cerrados, o corpo imitando um míssil humano. Golpe que eles chamavam de Cofferocket. O Homem-Café atingiu o monstro gigante no meio do seu único olho. Atravessou o crânio e foi se chocar contra a lateral de um prédio carregando atrás de si sangue e cérebro da criatura. Estilhaçou os vidros de um escritório que ficou coberto de sangue e miolos. Ele se levantou atordoado. Por sorte, o local estava vazio.

— Coisa mais nojenta — ele se balançou para fazer aquela matéria orgânica escorrer dele.

Abaixo, a criatura havia tombando na rua destruindo alguns automóveis. A situação em Tókio era caótica.

Thundergirl saltou para a janela e viu que ele já estava recuperado. Ela era uma tremenda loiraça escultural muito musculosa vestindo um spandex azul e branco.

— Come on, darling, I'll take you down there. — ela ofereceu uma carona ao brasileiro.

Mais embates se sucederam, mas não é nosso foco aqui retratá-los. No fim, milhares de vídeos feitos por pessoas comuns com suas câmeras e celulares viralizaram na internet. Alguns vídeos que fizeram sucesso, em especial no Brasil, mostravam o Homem-Café combatendo um dos monstros próximo à famosa torre de TV da cidade. Mas depois do embate, os vídeos que mais atormentavam o Homem-Café eram os produzidos pelos brasileiros, pedindo para ele voltar, ou condenando-o por ter abandonado seu país e seu povo.

O Homem-Café seguia o conselho de Timeslip e desde que retornou não concedeu nenhuma entrevista à imprensa.

Não foi difícil voltar ao Brasil sem ser percebido. Depois da missão em Tókio pediu licença da LIS e seu colega Sonicstar, deu-lhe uma carona até o Brasil.

— Boa sorte, Coffeeman. E não vá fazer nenhuma loucura.

O Homem-Café sorriu.

— Tá certo, Sony. Se cuida e manda um beijo para a Beth.

— Pode deixar. — o herói que usava um capacete com formato de bala de canhão e vestia um uniforme vermelho com uma estrela amarela no peito zuniu para os céus, rompendo a velocidade do som e provocando um zumbido alto como o de um avião de caça fazendo voo rasante.

Café acionou a matriz holográfica em seu pulso e logo passou a ter aparência de uma pessoa comum. Todos os membros da LIS tinham acesso àquele conveniente equipamento, perfeito para missões de infiltração, ou para dar a heróis de aparência estranha, a possibilidade de se misturar na multidão. Ele estava disposto a tirar umas férias antes de retornar à ação.

Café foi para seu antigo bairro, entrou num boteco, pediu uma cervejinha gelada, uma porção de torresmo e sentou-se para comer. Seu disfarce trocava o tom de pele, as roupas, um pouco da fisionomia, mas não alterava suas proporções e tãopouco seus músculos. Então, logo apareceram umas garotas. Ele escolheu uma delas, chamou um transporte alternativo pelo seu smartphone e terminou sua noite em um motel. Era bom estar de volta ao Brasil. Apesar de tudo que não funcionava e tudo de errado, era o seu lar.

Café tinha um cartão de crédito especial com altos fundos fornecidos pela LIS e aproveitou suas férias encontrando belas mulheres, indo a jogos de futebol e caindo no samba. E aos poucos, foi observando e sentido tudo aquilo que tanto revoltava os brasileiros. Meninos de rua envolvidos com drogas, guerras entre fações criminosas e o velho noticiário denunciando escândalos de corrupção que nunca davam em nada. O que mais o incomodou foi a destruição causada pelo tráfico de drogas. Ele havia lutado tanto, por tantos anos, contra aquilo e agora, estava tudo ali de volta. Nos bares, as pessoas tinham discussões fervorosas demonizando e apontando a culpa de todos os problemas no partido tal, mas os partidos que faziam oposição a ele, eram igualmente sujos e corrompidos. Como as pessoas não conseguiam enxergar aquilo? Mas o que podiam fazer? Eram todos reféns de um sistema perverso e etéreo, e que parecia ser inatingível. E parecia que algo pior que a Mão Branca estava atuando nestes últimos anos. Os discursos do Presidente Roseberg eram sempre confusos e até cômicos. Café suspeitava que era tudo de propósito a fim de ofuscar o entendimento das pessoas.

Era tudo diferente agora. Sem estar envolvido diretamente no combate ao crime, ou aos corruptos, Café hesitava e se perguntava se iria conseguir fazer alguma diferença. Na LIS, ele tinha certeza, podia fazer a diferença, mas ali, no Brasil, sozinho, com tantos problemas difíceis a enfrentar, ele sentiu-se deprimido, desmotivado, sem ter certeza de que sua atuação poderia mudar alguma coisa.

Estudou o caso de Cappuccino e outros vigilantes e heróis que tentaram combater os criminosos ricos e poderosos. Todos haviam falhado. Ele mesmo, havia falhado. Que diferença havia feito eliminar o Senador Narsei? O congresso e o senado estavam repletos de seres nocivos em busca do poder. Mesmo que ele matasse a todos, as próximas eleições iriam suprir as vagas. Nada iria mudar. Se ele usasse seus poderes para forçar a justiça com as mãos, teria que assumir o poder? Tornar-se um ditador? Ele voltou ao Brasil com a disposição para combater os políticos corruptos, mas quando começou a pensar e maneiras práticas de atuar, foi tomado pela hesitação, dúvidas e depressão.

Então, uma convocação da LIS surgiu para lhe salvar o ânimo. Sonicstar veio buscá-lo.

— E então, Coffeeman? Dois meses... Eu esperava vê-lo nas notícias. O que aconteceu?

Café respondeu com lágrimas nos olhos. — Eu quero ajudá, mas já num sei mais como, meu amigo! Num sei não! Quando eu fui atrás do Narsei, tinha um objetivo. Mas agora...

— Ei, anime-se cara, depois da missão, talvez possamos chamar alguns heróis para tomar uma cerveja e discutimos um pouco o assunto, que tal? Você explica a situação e talvez alguém lhe dê uma boa ideia.

— Claro, Sony, Obrigado. E então? Pra onde?

— Síria, meu amigo. A situação ficou complicada por lá.  


O Retorno do Homem-CaféWhere stories live. Discover now