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Meus olhos se abrem quando a claridade do sol entra pela borda da cortina. Tento fecha-los e força-los a voltar para escuridão, mas a luz passa por minhas pálpebras transformando a escuridão num tom alaranjado.

Com o travesseiro sobre o rosto tento voltar a dormir, mas nunca me senti tão acordado. Fico apenas bolando pela cama por umas duas horas até finalmente desistir — os pensamentos que eu quero afastar com o sono voltam assim que meus olhos se abrem. Ficar deitado aqui, encarando o teto, só os deixa mais fortes.

Perambulando pela a casa vazia, vejo meu telefone vibrar sobre a mesa de centro. Mil trezentos e sessenta e três mensagens não lidas de oito conversas. Nenhuma é dele. Das oito conversas, sete são de grupos e outra é de minha vó. Uma corrente religiosa. Copio sem lê-la e envio de volta. Checo as outras mensagens, uma a uma até acabarem. Como previsto, nenhuma é para mim, mas leio, de qualquer forma — elas mantem minha mente ocupada.

Releio novamente a última conversa que tive com ele. "Eu preciso estudar", foi sua última mensagem. Ele está online. Sinto saudade. Quero poder falar isso, conversar como antes, responder ao seu "Bom dia", porque ele sempre acorda primeiro. Tento aguentar a tentação de enviar uma mensagem. Sem sucesso, envio um "Oi".

A mensagem é enviada. Inspiro.

A mensagem é recebida.

Ele fica off.

Ele fica on. Meu coração acelera.

A mensagem não é lida. Arrependo-me de tê-la enviado.

Ele fica off.

Ele fica on.

A mensagem é lida.

A mensagem não é respondida.

Sinto uma gota escorrer pelo meu rosto e a enxugo imediatamente, porque ele não merece minhas lagrimas. Eu não preciso que ele me compreenda.

✩ ✩ ✩

Assisto Bob Esponja durante o que resta da manhã até que o barulho do portão correndo sobre o trilho anuncia a chegada de minha mãe. Meu pai e meus irmãos entram logo em seguida.

Assim que ouço a voz do meu pai, saio do "seu sofá", pulando para o outro. Ele tira a blusa, os sapatos, a calça e os chinelos. Em seguida, se joga no sofá e muda para o noticiário local sem se importar com quem estava assistindo. Isso se repete, sem exceções, todos os dias.

Vemos o noticiário até minha mãe nos chamar para almoçar. Meu pai interrompe sua conversa com meu irmão, que pelo o que entendi, é sobre política, e nos dirigimos para a cozinha.

Quando todos estão servidos, meu pai volta para sala com seu prato e meu irmão o acompanha. Sento-me à mesa com minha mãe e comemos em silêncio.

Depois do almoço, vou para meu quarto. Executo minha nova playlist intitulada bad e espero dar uma hora da tarde para começar a me arrumar para o estágio.

Chego ao estágio, pontualmente, às 14h. Na copa encho minha caneca de café. Em seguida, vou para a sala de produção e sento na minha cadeira. Estagio num escritório de arquitetura, onde faço tudo (e mais um pouco) que um arquiteto faz — exceto assinar papeis e ganhar oito vezes o valor do meu salário.

Trabalho com criatividade, e trabalhar com criatividade é uma benção e uma maldição. Trabalhar com criatividade requer tempo e paciência para a mágica acontecer, mas não temos tempo num escritório de arquitetura e quando você está sem paciência... fode tudo. Durante as quatro horas de expediente fico basicamente sentado olhando para o computador, girando a cadeira de um lado para o outro e pensando se lá fora está ensolarado ou nublado. Entraria no meu Facebook se meu chefe não tivesse me flagrado e mandado o cara da TI bloquear o acesso. Mal sabia ele o quanto isso ajudava a mágica acontecer.

Saio as 18h e normalmente vou correndo para a faculdade, mas hoje é sexta, inicio do último final de semana das férias. E como em todas as sextas, assim como todos os dias da semana, não tenho nada para fazer depois do expediente.

Sexta.

Todas as segundas, quartas e sextas ele estuda na biblioteca da cidade, lembro de ele ter mencionado em um dos nossos passeios noturnos pelos bairros vizinhos ao nosso.

Ao longe vejo um ônibus, saio da parada onde estou, atravesso a rua, e vou para a parada que fica a frente. Nunca pensei que diria isso, mas... Hoje vou à biblioteca.

✩ ✩ ✩

Passo rapidamente pelo saguão e o vejo na área de estudos que fica mais ao fundo da biblioteca, após as estantes. De longe, o reconheço sentado sozinho em uma carteira, rodeado de livros. Ele está concentrado demais para me perceber aqui.

Esgueiro-me pelas estantes até ficar somente uma me separando da área de estudo. Procuro por entre os livros o melhor ângulo para poder observá-lo. Não pretendo falar com ele. Vê-lo já basta.

Ele aparenta estar tão bem. Vê-lo bem, de certa forma, me irrita.

Sua concentração é surpreendente. Desde a hora que cheguei, ele não olhou para o lado nenhuma vez. Mas roeu as unhas quatro vezes, coçou o nariz duas e tirou os cabelos claros dos olhos três. Não que isso importe.

Enquanto o observo, perco a noção do tempo, até uma voz aguda abaixo do meu ombro me puxa para realidade.

— Quer que eu entregue um bilhete?

Não posso evitar o susto. Da minha boca sai um som estranho que faz todo mundo olhar para a minha direção, inclusive ele. Viro de costas, tentando impedir que meu rosto seja visto. Imaginar esses olhares em minha direção, mesmo por entre a estante, me embrulha o estomago.

Encaro a dona dessa voz. Uma garota. Ela é baixa, tem um cabelo verde azulado, caindo sobre os ombros, e usa um óculos de armação vermelha grande demais para seu rosto.

— Não vira, ele ainda tá olhando. — ela sussurra.

Demoro pra processar suas palavras. Estou incrédulo demais para falar qualquer coisa. De minha boca somente sai um ruído inaudível.

Repito o que está entalado e, dessa vez, sai compreensível.

— Você é louca? — murmuro, encarando-a. — Do que você está falando?

— Já pode virar — ela diz —, ele não tá mais olhando.

Viro meu pescoço só por alguns segundos confirmando sua afirmação e volto a encará-la.

— Ele é, barra era seu namorado, paquera, ficante ou algo do gênero? — Ela pergunta, descaradamente. Estou chocado demais para responder ou negar tudo isso.

Escuto alguns "xis" solicitando silêncio.

— Vem. Vamos sair daqui — a garota diz, pegando em minha mão e me puxando para sairmos daqui, mas instintivamente a recolho.

Ela me fita por uns segundos. Após entender que irei segui-la, volta a caminhar em direção à porta que dá acesso a uma praça. Preciso explicar o que eu estava fazendo, ou pelo menos inventar qualquer coisa. Não posso deixar que ela espalhe a hipótese que levantou.

Por Dentro do Armário (Romance Gay)Where stories live. Discover now