O Sequestrador de Egos

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Eu vivo dormindo, mas quando escuto aquele chocalho, soa como um despertador para mim. E nesse exato momento o escuto, com suas balançadas serpentais em tempo perfeito. Primeiro vejo as luzes das velas, e quando tomo a consciência, já estou rodeando em transe o instrumento que badala na mão do Sr. Lúcio. Ele toca aquilo vibrando o coração.

Reconheço rápido o local onde estou: o quadro do lobo uivando para a lua, o de águias voando por cima do rio, o das ocas de palhas douradas refletindo o sol. Sr. Lúcio pendura essas imagens na parede da sua mansão em memória a aldeia em que vivia.

Aruã era seu nome na época, hoje atende por Sr. Lúcio, como uma cobra que troca de pele para se alinhar ao novo habitat.

Sr. Lúcio assim que chegou à cidade, construiu conexões com vários homens de negócios e soube se mover abocanhando a riqueza. Mas seu vinculo mais importante sou eu, que aproveito da minha invisibilidade para lhe entregar informações de qualidade no mundo dos negócios.

Mas hoje, pela primeira vez, não foi por isso que ele me chamou...

Pois assim que minha essência se organiza, me conscientizo da situação.

Sr. Lucio fala meu nome varias vezes até sentir que estou aqui. Tupirinan é meu nome, ou o apelido que ele me deu, nunca saberei. Mas Tupirinan se tornou o núcleo do meu ser. Se xingam esse nome me sinto mal, se elogiam, me sinto bem.

Em frente ao Sr. Lúcio está um mendigo molhado de chuva que veio pedir ajuda. Sua face triste e de pouca esperança me comove rápido.

Me posiciono ao lado de Sr. Lúcio. Ele me informa do contexto usando desnecessariamente a fala, faz dessa forma para que o mendigo saiba que estou aqui. Pois entendo as pessoas através da sinergia de seus sentimentos que se transmutam em pensamentos.

Assim que me abasteço da esperança do mendigo e do coração de Sr. Lúcio, subo atravessando o telhado luxuoso da residência e encontro o céu chuvoso.

Os pingos não tocam em mim, mas passam em mim como um calmante.

Olho para baixo de relance, vejo apenas o telhado marrom escuro, mas ainda sinto a esperança do mendigo lá dentro depositada em mim.

O mendigo esqueceu o núcleo do seu ser. Esqueceu seu verdadeiro nome. Agora atende pelo som "mendigo", formou-se uma autoimagem deplorável dentro dele. Tenho um misto de raiva e compaixão por gente assim, mas pelo amigo dele por quem veio pedir ajuda não sinto o mesmo. O tal amigo defende com unhas e dentes o próprio nome: Josep.

Quando o mendigo achou Josep enlameado e esfomeado na chuva, ofereceu-lhe o pão velho que guardava no bolso, o menino de apenas oito anos comeu com a maior sorriso desdentado já visto pelo sem teto.

E Proteger Josep das garras das ruas foi o novo sentido de vida do mendigo. Mas por fim, o garoto de agora doze anos, foi sequestrado por um misterioso carro de vidro fumê que rondava por ali todas as noites.

Sr. Lúcio com sua influencia nos dois planos soube de pistas do paradeiro de Josep, e aqui estou eu.

Sobrevoo a cidade iluminada surfando nas intenções das pessoas e acho o local suspeito.

Quatro homens bem vestidos caminham no parapeito da casa velha. As armas deles obviamente não me amedrontam, mas minha aproximação gera calafrios no mais sensível deles. Os outros caçoam do sensível que agora olha freneticamente para os lados desconfiado de algo no ar. E é aí que eu entro.

Eu mergulho naquele corpo. Vasculho seus pensamentos e aprisiono o ego dele. Seu nome é Valdo, é pai ausente de duas crianças, tem um amor reprimido pela mãe do seu primeiro filho e isso o faz ter repulsa por mulheres morenas já que sua primeira mulher também foi morena.

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