capítulo 18

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Julho,1988
Vinícola inácia mocó

Salvina desligou o telefone e se olhou no espelho mais uma vez. Era mais um aniversario que Emidio perdia. Era mais uma desculpa que daria aos convidados, era mais uma vez distraindo o filho dizendo que o pai estaria esperando o presente enorme chegar. Salvina havia desistido há tempo, antes mesmo de Fernando nascer, de que o marido seria um homem presente, mas não pôde evitar ter um pouco de esperança ao ver o quão orgulhoso Emidio havia ficado com o nascimento de um menino depois de 3 abortos espontâneos. Achava que as coisas iriam melhorar.

- senhora? – ela ouviu a voz de Sonia. – todos os convidados já chegaram. Vamos esperar o sr. Emidio ?

A mulher endireitou a postura e adotou a cara dura de sempre. Era respeitada assim, e por ser respeitada as pessoas não ousavam lhe lançar um olhar de piedade ao ouvirem sobre a ausência do marido em mais um aniversario ou evento de família.

- não. ele não poderá vir, está preso no chile. Pegue o bolo e vamos cantar parabéns.

Ao descer as escadas, Salvina viu os convidados conversando, comendo. Se divertindo de fato. Ela era ótima anfitriã, e isso disfarçava os comentários. Para essa gente, o fato dela ter tudo amenizado a ausência de Emidio.

Ela foi até onde as crianças brincavam e puxou Fernando com delicadeza.

- vamos cantar parabéns? – ela perguntou sorrindo, arrumando o cabelo dele que já estava bagunçado.

- papá? – ele questionou agitado, olhando ao redor. – ele chegou?

- não, querido, lembra que ele ainda está viajando?

Salvina viu os olhos de Fernando se encherem de agua. Ela não queria que ele chorasse, ela mal estava se controlando. Acariciou as costas do filho como  se aquilo não fosse nada. Odiava ser a mãe que invalidava o sentimento da criança.

- vamos, vamos... não é nada, sim? Seu pai só teve que trabalhar, como acha que ele compra seus brinquedos incríveis?

- não quero brinquedos, quero meu pai. Ele não me ama. – o garotinho com seus recém feitos 6 anos falou emburrado.

Salvina tomou uma expressão seria.

- vamos, Fernando. Seu pai te ama muito, não fale nunca algo diferente disso, está bem? Ele só ficou preso no trabalho, agora vamos... já para a mesa do bolo.

Ao falar firme com o menino, ele pareceu aceitar, e ao chegar na frente do bolo, pareceu esquecer momentaneamente. Sonia se aproximava com o bolo enquanto Gilda parava ao lado de Salvina.

- mais um ano. – Salvina sussurrou.

- vá para perto do seu filho e se faça presente. Nós estamos aqui, é o que importa. – Gilda falou.

Quando o parabéns começou, Gilda agitou os convidados para todos ficarem ao redor da mesa, passando a Fernando a sensação de festa cheia e animada, para que ele pudesse esquecer no futuro de o que o pai havia perdido mais um aniversario dele.
Mais tarde, naquela noite, quando Emidio chegou com as malas, Salvina o esperava perto da mesa do bolo. Intacta. Havia aprendido a deixar assim para que, ao chegar, Emidio pudesse tirar uma foto com o filho. Era o único jeito que havia encontrado para não ter que explicar para Fernando no futuro o porque do pai nunca ter estado em nenhum de seus aniversario desde o primeiro ano de vida.

- boa noite, amor. – ele falou, se aproximando da esposa para lhe abraçar.
Salvina se afastou.

Emidio a olhou confuso.

- até quando vai ser assim? – ela perguntou. – até quando vou ter que deixar a mesa intacta para você tirar foto no dia seguinte. Os meus aniversários eu já desisti de passar com você, mas o aniversario do seu filho? Você não consegue parar de trabalhar no aniversario do seu filho?

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