C A P Í T U L O I

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O céu amanheceu cinza no dia em que o vi pela primeira vez. Nas últimas semanas, fez um sol excruciante acompanhado de um céu limpo e azul, mas, naquela manhã, estava quase escuro de tantas nuvens negras.

Particularmente, eu sempre amei dias com promessas de tempestade.

— Bom dia, senhorita.

A voz de Mira era suave ao abrir a porta.

Virei o rosto para ela. Eu estava deitada, mas já havia acordado há, talvez, meia hora. Quase não tinha dormido durante a madrugada.

— Bom dia — respondi.

Ela abriu a boca mais uma vez, porém, fui mais rápida em completar:

— Eu sei, já vou começar a me arrumar.

Tinha certeza de que Nusa, minha madrasta, havia a mandado para me acordar e fazer com que eu me preparasse. Todos teríamos de estar perfeitos naquele dia. Mais do que o usual.

Mira assentiu, grata por não ter que pedir.

— O seu vestido está sobre a poltrona. — Ela completou antes de sair.

Eu voltei a olhar para o teto por alguns instantes.

Estava ansiosa, não de uma forma excitante e animada, mas de uma forma nauseante e desconfortável.

Teoricamente, era um dia feliz. Um dia de celebração entre dois reinos que viviam em guerra e que, finalmente, entraram em acordo e estabeleceram a paz. Mas, por alguma razão, eu não me sentia desse jeito. Sentia um retorcer estranho na base do estômago.

Mas me convenci de que aquilo não era muito anormal. Nas últimas semanas, desde que o tratado fora anunciado, ouvi muita gente expressando sentimentos negativos diante da situação. Havia desconfiança entre o nosso povo. Os otimistas estavam felizes em juntar as casas e viver em paz. Mas os pessimistas não tinham certeza se não poderia ser algum tipo de golpe. Os selke não eram confiáveis.

Eles eram do mal.

Cruéis.

Depois do banho, coloquei o vestido que foi separado para a cerimônia. Era de um tom de azul muito claro. Um belo vestido, mas azul nunca fora a minha cor, ainda mais naquele tom aberto, quase branco.

Quando desci as escadas para o salão de entrada, meu pai e meu irmão já estavam do lado de fora, no meio do caminho até a carruagem. Nusa estava falando com a sua criada particular, enquanto esta, ajoelhada, ajustava algo em seu sapato. No vestido cor de creme justo, sua barriga ficava predominante. Ela estava com quatro meses no momento. Dali a cerca de cinco meses, eu teria mais um irmão ou uma irmã. Eu esperava que fosse uma menina, só porque tinha certeza de que meu pai gostaria de um menino.

O caminho foi feito na maior parte em silêncio, com Nicklaus, meu irmão, e meu pai trocando algumas palavras sobre negócios, esporadicamente. Minha madrasta parecia entretida o suficiente em afagar seu vestido e observá-los.

Eu fitava a janela enquanto fazíamos nosso caminho até a entrada do palácio. A energia do povo era palpável. Aquele dia não era um como qualquer outro; estava muito claro.

Apesar do céu cinza, Umbra continuava muito verde e viva. A base da nossa economia se dava graças ao clima e ao solo favoráveis para colheita. Muitos acres de terras planas e férteis. E por mais que fizesse frio no inverno, nunca nevava.

As ruas estavam muito cheias. Várias carruagens seguindo em filas, e os mais pobres lotando as calçadas. Ninguém queria perder. Por mais que muitos não pudessem, de fato, ver a cerimônia, tentariam chegar o mais próximo possível para, pelo menos, vê-los entrar. Eu seria uma das que teria o privilégio de vê-los cara a cara. De observar a interação dos dois reis e rainhas de perto. Avaliar e especular cada movimento.

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⏰ Last updated: Feb 25, 2022 ⏰

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Usurpadora de Sangue: A traidoraWhere stories live. Discover now