P R Ó L O G O

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A nossa história é longa

Nos encontramos algumas vezes no decorrer dos anos

Houve momentos em que cheguei muito perto

mas a conheci de fato

antes mesmo de ela ser a usurpadora

Quando a conheci

ela ainda era uma menina


Ela iria me matar.

Estava irritada comigo de uma forma que eu nunca tinha visto. Tapas não foram o suficiente daquela vez.

Lutei para subir, desesperada por ar. Mas ela manteve suas mãos contra a minha cabeça por um momento terrivelmente longo.

Abri a boca, mas tudo o que entrou foi água. Não saberia dizer o quanto bebi até tudo ficar preto.

Paz inundou. Silêncio também.

Foi como um sono profundo. E, ao mesmo tempo que pareceu levar apenas um segundo, também pareceu uma eternidade.

Mas, então, a escuridão se transformou em um brilho prateado, quase cegante, e eu voltei.

Pisquei várias vezes. A minha visão era turva.

Seu rosto tomou forma diante dos meus olhos. Ela batia na minha bochecha e repetia o meu nome.

Demorou um instante até eu lembrar que estava na banheira.

— Cera! — Ela chamou, sua voz aguda ecoando no banheiro.

Minha madrasta parecia assustada.

Eu tossi algumas vezes antes de abraçar meu próprio corpo nu, me encolhendo dentro da banheira.

Silêncio pairou no cômodo abafado.

Ela se manteve agachada ao lado da banheira, com as mãos encharcadas. Nos encarávamos, como se compartilhássemos um obscuro segredo.

Seu toque nunca foi gentil comigo. Quando me auxiliava no banho, esfregando a minha cabeça, nunca era um movimento delicado e relaxante.

Por isso que eu preferia Katya. A criada. Mas ela havia faltado naquele dia.

E minha madrasta odiava ter de fazer comigo qualquer coisa que se assemelhava a algo que uma mãe faria.

Mas, daquela vez, ela havia ido longe demais.

Meus olhos se encheram d'água. Lágrimas quentes e salgadas se misturavam com a água doce da banheira.

Eram em momentos como aquele que a saudade da minha mãe se tornava fisicamente dolorosa.

Ela engoliu em seco pouco antes de eu desviar o olhar.

Queria que ela fosse embora.

— Termine de se enxaguar. — Ela mandou, com a voz tensa, ao se levantar.

Usurpadora de Sangue: A traidoraWhere stories live. Discover now