Capítulo 18

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— Eu vim aqui para convidar vocês para almoçar lá em casa — disse Lorena.

— Nós vamos! — Kevin exclamou, erguendo os braços.

Raul olhou de relance para o irmão e quis rir. Ele era sempre tão espontâneo.

— Acho que o Kevin já deu a resposta — comentou Lorena, alternando o olhar entre um irmão e outro.

Raul estava cansado, pois, apesar da alegria, qualquer noite em claro é capaz de exaurir alguém. E o seu cansaço estava refletido nas pequenas olheiras que ele trazia no rosto. Kevin não notou, mas Lorena, sim.

— Sim, nós vamos — disse Raul por fim, coçando a nuca.

Kevin, imediatamente, fez uma grande comemoração e saiu correndo para o segundo andar, dizendo que iria trocar de roupa. Lorena, parada no mesmo lugar, assistiu com um sorriso despistado no rosto o garotinho se afastar. Então, quando ela voltou o olhar para Raul, ele direcionou os passos para a escada, dizendo:

— Eu também vou trocar de roupa...

— Foi tudo bem essa noite? — A pergunta de Lorena fez o jovem rapaz parar ao pé da escada.

— Foi... — Ele respondeu com os pensamentos distantes — Foi sim.

— Você parece um pouco cansado.

— É que... Eu não dormi nada.

— Não dormiu? Por quê?

— Não consegui...

Raul sorriu fraco.

— Tudo ainda parece um sonho para mim. Eu só pedia a Deus um lugar simples para morar, uma casa de um cômodo se Ele, assim, quisesse. Mas eu nunca imaginei que Ele fosse responder a minha oração de uma forma tão... Magnífica. Eu acho que nem tenho fé para isso tudo.

Raul olhou ao seu redor com olhos avermelhados.

Lorena, observando-o, achou interessante o fato do jovem rapaz estar falando de Deus. Como ele ainda poderia ter fé depois de tudo? — Ela se perguntava.

— Você...

Lorena começou a dizer, mas se deteve por um instante. Devia mesmo fazer aquela pergunta?

— Você acredita em Deus?

Aquela pergunta saiu assim, curiosa.

— Eu não sou digno de não acreditar — respondeu Raul com os olhos fixos em Lorena. — Depois de tudo que Ele fez por mim e pelo Kevin, não acreditar seria, no mínimo, ingratidão.

Lorena ergueu as sobrancelhas, sem palavras. Como dizer que ela não concordava com aquelas palavras do jovem rapaz? Se Deus realmente existia, por que Ele deixaria que Raul e Kevin vivessem na rua por tanto tempo? Os questionamentos estavam inquietos dentro dela.

— É curioso você ainda ter fé depois de tudo que te aconteceu — comentou Lorena em um tom tímido.

— É justamente nos momentos difíceis que a fé aumenta.

Um silêncio se seguiu às palavras de Raul e, então, Lorena pensou que era hora de mudar de assunto, pois não gostava muito de falar daquilo, que insistia em ressuscitar suas mais profundas mágoas com Deus. Mas, antes mesmo de ela dizer qualquer outra coisa, as palavras do jovem rapaz cortou o silêncio:

— Deus certamente vai te recompensar por tudo que você tem feito por mim e pelo Kevin.

Lorena, novamente, ficou sem palavras. O que dizer? Por isso, apenas sorriu. Então Raul, pedindo licença, subiu, deixando-a para trás, pensativa.

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Lá pelas dez e meia da manhã, após passar num supermercado próximo, Lorena entrou na garagem de sua casa. Kevin foi o primeiro a saltar do carro e, sem hesitar, foi correndo até os fundos, a fim de encontrar Ícaro.

— Quer que eu te ajude a levar as compras para dentro? — perguntou Raul timidamente ao sair do carro e ver Lorena indo na direção do porta-malas.

— Olha, não vou negar a ajuda, porque, realmente, está um pouco pesado.

Raul não titubeou e apanhou as sacolas de dentro do porta-malas. Quando, porém, ele foi se afastar, reerguendo-se, bateu a cabeça no teto do carro.

— Opa! — Lorena exclamou com um pequeno sorriso, completando: — Cuidado aí!

Raul afagou a cabeça e, então, Lorena fechou o porta-malas, mas sem tirar os olhos do jovem rapaz.

— Se machucou?

Havia sido um baque forte, ela sabia, e Raul de fato havia sentido sua cabeça latejar, mas ele não quis demonstrar.

— Não, está tudo bem.

— Certeza?

O jovem rapaz assentiu e, então, ambos entraram na casa. E tudo poderia ter transcorrido na maior paz se, na cozinha, Lorena não tivesse encontrado sua irmã na cozinha.

— Eu já não te falei que você não entra na minha casa mais? — questionou Lorena ao alcançar a irmã e arrancar de sua mão o iogurte que ela tinha acabado de apanhar da geladeira.

— Achei que não estivesse falando comigo — disse Luana com cinismo.

Lorena até tentou respirar fundo, mas foi em vão. Quando deu por si, ela já tinha agarrado o braço da irmã mais nova e apontava para a saída da cozinha, onde estava Raul, paralisado.

— Some daqui, Luana!

— Em primeiro lugar, você vai tirar essa sua pata de mim...

— Não vou tirar porcaria nenhuma! Você tem sorte que eu estou apenas te segurando, porque a minha vontade é de meter a mão na sua cara.

Luana riu, desdenhosa, e desafiou:

— Experimenta se você for mulher.

Incrédula, Lorena fitou a irmã. A verdade é que lhe doía toda aquela situação. Luana era tão cínica que parecia impossível não rebater suas provocações. Infelizmente, o desfecho era sempre o mesmo.

— Ah, já entendi. Você não bate, só apanha do seu marido.

Mesmo que alguém tivesse planejado impedir o que veio logo em seguida, teria sido impossível evitar. Lorena, perdendo totalmente a paciência — e quem conseguiria manter a sobriedade diante daquelas palavras? — não viu a hora em que acertou um tapa no rosto da irmã, que, com um sorriso largo, revidou a agressão na mesma altura.

Raul, diante daquilo, apenas sentiu seus dedos se afrouxarem e, sem perceber, as sacolas caíram de suas mãos, indo ao chão. Então ele se apressou e foi na direção das irmãs, a fim de tentar separá-las. E que bom que ele foi. Pois bastou que se colocasse entre as duas para que Luana, em um ato de pura fúria, tentasse acertar um chute na barriga de Lorena. Mas foi Raul que acabou sendo atingido.

No mesmo instante, os pais das duas irmãs apareceram, acompanhados de Luís Fernando e Bernardo. Todos que acabavam de chegar não entendiam o que havia acabado de acontecer e, com exceção de Bernardo, tampouco sabiam quem era aquele jovem rapaz que segurava Lorena.

Mas, então, não foi preciso mais intervenções, pois Lorena se desvencilhou das mãos de Raul que a segurava e saiu da cozinha rapidamente, concentrando-se para não chorar antes de chegar ao segundo andar, onde se refugiou em seu quarto.

É claro que ela era uma mulher forte, mas quem é capaz de se manter inabalável diante de mágoas tão grandes?

Luana, sim, era capaz de não deixar uma lágrima sequer rolar, mas isso não era sinônimo de força. A jovem, que ainda há pouco havia completado 26 anos, carecia de amor, principalmente para com a sua própria família.

O Malabarista - ConcluídaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora