vii. nesta casa não falamos de freud

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Caro Rhys,

Já ouviu falar sobre a lenda de Teófilo?

Possivelmente, nessa versão, não. Nem eu reconheceria o nome se Fantine não me tivesse dito. Mas aposto que você sabe, de toda forma, histórias sobre vender a alma ao diabo em troca de favores. Foi meio o que Teófilo fez. Ele, na verdade, fora uma pessoa tão real quanto você e eu. E, não tão diferente de nós, esteve em contato com algo diabólico (e acredito que o diabo real não seria tão ruim quanto ele) e selou um pacto para ter seu cargo na igreja de volta — o que aconteceu. Não conto isso como se eu fosse um homem de Deus igual a ele e mereça algo, ou espere que uma divindade me salve depois, mas me sinto tendo condenado minha alma ao verdadeiro inferno em um acordo meio duvidoso e improvável com um demônio.

Antes, porém, gostaria que entendesse as circunstâncias que me levaram ao aceite do contrato.

A luz do dia se esvaindo do lado de fora da sala ainda reluzia no mogno recém-lustrado da escrivaninha no fundo da sala. Sobre seu tampo, não se via nenhuma partícula de poeira ou desordem. As cortinas claras limpas e sem suas costumeiras manchas de mofo, e o chão com nenhum lamparquet faltando, e os demais móveis igualmente brilhantes, e até o lustre velho não perdera suas teias de aranha. E se a ausência de sujeira não fosse suficiente, ainda um cheiro enjoativo de lavanda de sei lá onde se misturava ao do piso encerado e me cutucava o nariz com "quase-espirros". Definitivamente, a antiga sala da sra. Hopton não existe mais.

— Alexander Samuel Reed. — Leu entre suas anotações e então olhou para mim. Olhos grandes e escuros, emoldurados por longos cílios em curva, encaravam-me em expectativa.

— Alex, por favor.

— Certo, Alex.

Quando entrei na sala da tal Dhiman, vi-me diante de uma mulher muito mais nova do que esperava, não podia ser tão mais velha que eu, pouco além de 25 anos (apesar de todo mundo depois dos vinte me parecer a mesma coisa). Ela me aguardava com a cabeça apoiada em sua mão direita, a ponta da caneta que tinha na mesma mão adentrava entre os fios lisos e escuros de seu cabelo, bagunçando seu rabo-de-cavalo na lateral. Sua expressão era totalmente branca, e eu não conseguia nem imaginar que pensamentos pairavam em sua mente sobre mim.

— Me chamou, doutora...— Pela grafia do nome em seu crachá afixado ao suéter que vestia, supus que fosse de origem indiana. Torci que Maé tivesse pronunciado certo aquele dia. — ...D-Dhiman?

Ela riu, descontraída.

— Pode me chamar de Simi.

Só assenti sem olhar para ela e sentei-me na cadeira a sua frente o mais rápido que pude. Uma pequena vontade em sair correndo me provocava por dentro, minhas unhas machucando as palmas das mãos cerradas eram o que me segurava no lugar. Tinha medo de que esse encontro estivesse relacionado a minha transferência ou coisa do tipo. Demorei a perceber que batia o pé sutilmente na velocidade do coração.

— Sabe o que estou fazendo? — perguntou ela, fazendo-me erguer o olhar e encará-la. Sorrindo para mim, aguardava pacientemente uma resposta. Duas coisas pouco esperadas dos funcionários neste inferno: sorrisos e paciência. Apenas balancei a cabeça. — Você sabe algo sobre terapia?

Meus olhos se desviaram de seu rosto, vagueando pelo cômodo em busca do que dizer. Atrás dela havia uma espécie de aparador também de madeira, onde um bule de chá ainda quente repousava. O vapor fugindo pelo bico quase fazia desenhos no ar. Não havia qualquer sinal de xícaras e demais utensílios, apenas um vaso de uma flor cuja espécie não faço ideia do nome ao seu lado. Deveria pensar numa resposta real ou ela só estava seguindo algum protocolo?

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⏰ Last updated: Nov 14, 2023 ⏰

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