vi. amor é suicídio

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Caro Rhys,

Você ainda está vivo?

Eu estou por ora e espero que assim continue até pelo menos te encontrar. Confesso que se não fosse por esta pequena esperança, já teria cortado meu fio da vida muito antes das moiras, como diria Maé. Tenho me contentado em arrancar fios de cabelo e roer as unhas, fumar cigarros e deixar as cinzas quentes me cair. Sei que você não gosta desses hábitos, mas eles já estão há tanto tempo comigo que nem percebo quando me ocorrem.

Escrevo novamente poucas horas depois da última carta, porque mais uma vez pensamentos me pulam na cabeça e, se não fizer nada com eles, vou tentar me sufocar com um travesseiro, já que meu corpo não passa pela janela do quarto. Não sei se você lembra daquele dia no refeitório com Maé e toda aquela conversa de Dante e pecados. Enfim, hoje é terça-feira à noite. Ou melhor, era, pois segundo o despertador é quarta de madrugada. E como dito, Maé pretendia nos mostrar sua nova descoberta no "Vale dos Ventos".

Também não sei se você se lembra de eu ter sido encarregado de mostrar à americana o tal lugar. Eu poderia dizer que não fiz isso pelo fato de não saber onde fica seu quarto, mas a verdade é que meu coração começava a bater rápido e a barriga a congelar com a possibilidade de vê-la novamente. Não machucaria qualquer pessoa sem motivo. Nunca. Igualmente gostaria que isso ficasse claro a todos que me conhecem. Mas tenho tanto medo de estar sozinho com ela e ter de me explicar. E tem a merda do bilhete também.

Eu não pretendia sair hoje, estava sem ânimo e tampouco me interessava o que Maé tinha a mostrar. Nada do que fosse me salvaria da prisão agora; na verdade, fazer isso poderia apenas me condenar mais. Mas Ben me arrastou consigo porta afora antes que eu pudesse discutir. Logo estávamos nos esgueirando na escuridão para além dos dormitórios rumo à capela pelo caminho que as poucas câmeras funcionais não conseguem captar (não me pergunte como sei disso).

Uma vez ou outra, quando se sabe que os vigilantes estão dormindo em serviço, o pessoal se encontra atrás da capela para beber-e-etc. Um gostinho da vida real. Você só tem de fingir que está em Clube da Luta e não falar a respeito, nunca. Como o esquema sempre deu certo é um segredo que eu não tenho, afinal, hoje foi minha segunda vez ali e acho difícil que Maé me fosse confessar qualquer coisa. Há mais mistérios naquela criatura elétrica do que eu poderia lidar (parte de mim crê que seus capangas coloquem medo real para manter a ordem).

— Aconteceu alguma coisa? — perguntou Fantine em seu sotaque chique.

— Hã — resmunguei. — Por quê?

Antes de responder, ela afastou seu rosto alguns centímetros para trás para poder ver o meu, seus grandes olhos castanhos e decorados com uma maquiagem excêntrica neon (cortesia de Maé!) me encarando até a alma.

— Você não parece muito a fim.

— Não é verdade.

Revirou os olhos.

— Me sinto praticando necrofilia.

Como resposta, só fiquei olhando para ela em silêncio meio que sem saber o que dizer. Seus lábios em formato de coração e coloridos com gloss vermelho (agora borrado) se pressionavam um no outro ao me analisar cuidadosamente em expectativa. Desviei o olhar. Não como se me faltassem palavras, só tinha medo de escorregar nelas e revelar algo indevido.

— Por que você sempre tem que usar essas palavras complicadas? — Deslizei minha mão para fora de sua blusa, separando-nos totalmente e então ajeitando minhas roupas amarrotadas.

Assim que Ben e eu chegamos ao dito ponto de encontro, Fantine surgiu de repente e agarrou minha mão, puxando-me até um lugar isolado, o mesmo da semana passada (para fazer a mesma coisa da semana passada). Parte de mim ficou aliviado de não ter de encarar ninguém ou de responder a perguntas toscas sobre o que me tem acontecido. A outra parte, no entanto, não tinha muita certeza disso.

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