Mental

Flagrare tarafından

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A sala de espera de um consultório às vezes pode gerar reflexões. Daha Fazla

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Às vezes nós fazemos coisas ruins. Na verdade, a maior parte das vezes nós fazemos coisas ruins. Quando é pra nós mesmos a gente ainda suporta, né? Mas quando é para os outros parece que pesa muito mais. É por causa de uma dessas coisas que eu estou aqui.

A porta de madeira está desgastada e suja. O ar condicionado não funciona e com esse calor, eu estou completamente suado, mesmo com esse ventilador barulhento virado na minha cara. Eu nem sei o que está passando na TV. Parece algum canal daqueles educativos que a gente nem se importa. A gente já não se importa com tanta coisa mais hoje em dia né?

Eu estou adiantado, mas não é porque eu estou louco para ser atendido. Não. A verdade é que eu não tinha muito mais o que fazer. Há muito que eu não tenho. Eu nunca tive um emprego fixo, veja bem... Eu também abandonei a escola muito tempo atrás. Eu tenho essa coisa com compromissos. Eu fujo deles, eles não me procuram. É uma boa relação, na maior parte do tempo.

A mulher na televisão está falando alguma coisa sobre construir a própria casa com materiais recicláveis. As outras cadeiras da sala estão vazias. São dez da manhã e só eu estou aqui. Acho que esse cara não deve ser muito bom, mas é o que eu tinha dinheiro pra pagar. Aliás, é o que minha mãe tinha dinheiro pra pagar.

Foi ela que me trouxe aqui. Ela queria entrar, mesmo eu protestando que não precisava. Ainda bem que ela desistiu quando viu o estado do lugar. Eu não acho que ela está confiante. Eu sei que eu não estou. Será que não venta nesse lugar? Levantei-me para abrir a janela.

Eu não escuto nada do outro lado da porta. Será que ele não está lá? Será que o outro paciente está calado? Será que o isolamento acústico é tão bom assim? Não consigo conter minhas pernas. Sempre que fico ansioso fico mexendo. A palma das minhas mãos fica soando também. Acho que estou com dificuldade pra respirar. Não sei se é a ansiedade. Pode ser o mofo da sala também. Aquele musgo verde no canto parece que vai ganhar vida a qualquer momento.

Eu não sei direito porque estou aqui. Não é como se um velho maluco fosse resolver magicamente os problemas da minha cabeça com uma conversa. Aliás, eu não tenho problemas. Eu sou normal, as pessoas não entendem. Quase caí da cadeira. Por que eu fui escolher justo a que estava com a perna bamba? Não troco de cadeira.

"Você está ficando louco. Você é doente. Você precisa de tratamento.". Foi meu pai que disse isso. Quando ele entrou no quarto eu estava no chão chorando. Eu não consigo nem me lembrar de por que. Será que tinha motivo? Provavelmente tinha, não sei. Bateu um ventinho, mas o ar está quente. Acho que vou fechar a janela.

Na verdade essa é a terceira vez que vou num psicólogo. O primeiro disse que era frescura. Eu acreditei. Na semana seguinte minha mãe percebeu que eu estava chorando no banho e me levou em outro. Ela disse que eu não podia ir sozinho. Vinte anos e ela ainda acha que não consigo pegar um ônibus. Faltou só pegar na minha mão. Balanço na cadeira bamba. Se eu cair, não passo do chão né?

O cara na TV construiu uma casa de garrafas plásticas. Como é que aquilo resiste ao vento? A segunda psicóloga era legal. Ela me escutava e me dava conselhos. Não sei por que parei de ir. Parou de ventar de novo. Será que dá pra aumentar a velocidade do ventilador?

Ela me fez entender porque eu larguei a escola. Meu pai também largou a escola. Nunca entendi pra que ir. Nunca tive paciência, ainda mais com professor. Nunca entendi pra que estudar aquelas coisas. No começo eu tentava e tirava boas notas, mas depois eu achava sem sentido. Meu pai nunca disse nada. Ir bem pra que? Se eu quiser dinheiro só preciso arrumar um emprego qualquer. É tudo ruim igual. Na verdade eu não quero trabalhar enquanto eu puder. Não faz diferença, eu não compro nada e nem saio, então pra que trabalhar? Desisti. Não dá pra aumentar a velocidade do ventilador.

Faltam dez minutos agora. Na verdade a segunda psicóloga até ajudou. Eu entendi porque eu sou como eu sou. Meu pai ficou com raiva. "Esta mulher está jogando você contra mim! Odeio essas merdas de psicóloga!". Agora lembrei porque desisti. Não dava pra ela me ajudar.

Na verdade, na primeira vez eu nem queria ir. Sei lá, ir pra uma consulta dessas... Eu não sou louco. Eu não sou doente. Eu não preciso de ajuda... Eu só choro. Só isso. Às vezes eu faço coisas que não deveria. Quem não faz? Mas eu acabei indo. Minha mãe insistiu muito. Ela não me deixa sair. Acho que ela tem medo que eu possa quebrar. Eu só me machuquei uma vez, mas até hoje ela me olha como se eu fosse morrer a qualquer momento. Não vou negar, aquela voz mansa dela me dá nos nervos. Eu não preciso viver numa bolha. Acho que prefiro a raiva do meu pai. Ou não. Outro cara construiu uma casa de papelão. Essa droga não pega fogo?

A segunda me mandou pra um psiquiatra. Honestamente, eu tenho medo de psiquiatras. Quando entrei na sala branca e limpinha dele, cheia de livros e estátuas, quis sair correndo. Nunca tremi tanto. Não parece nada com esse muquifo que estou agora. O ar condicionado dele funcionava. Eu tenho medo de psiquiatras porque imagino que a qualquer momento uma equipe de branco vai entrar pela porta e me colocar numa camisa de força. Eu fui de manga comprida, não queria mostrar meu pulso. Calculei cada resposta pra ele. Saí com uma receita. Nunca tinha ouvido falar o nome do remédio. Tinha que tomar a noite e quando tivesse difícil. Sempre tava difícil, era pra eu tomar sempre?

Eu já tinha desistido do calor quando bateu uma brisa fria na janela. Graças a Deus. Eu nem acredito em Deus, por que disse isso? Não sei. Eu não acredito em várias coisas. Também não acredito em psicólogos, mas estou aqui. Eu acredito em remédios, mas são eles que duvidam de mim. Eles fazem as pessoas duvidarem da gente. Quando minha mãe me viu saindo da farmácia com a tarja preta ficou louca. Meu pai ficou nervoso. Mas ele sempre está nervoso.

Minha irmãzinha me olha com cara de assustada. Acho que ela tem medo de mim. De vez em quando eu quebro coisas, mas nunca machuquei ninguém. Aliás, ninguém além de mim mesmo. Toda vez que eu tomo o remédio ela fica me olhando. Acho que ela fica querendo correr pra contar pra minha mãe. Uma vez eu gritei com ela. Estava com raiva. "Tá pensando se eu vou me matar né?". Engoli os remédios. Não sei pra que fui dizer essa bobagem. Faltou minha mãe me hospitalizar quando ficou sabendo. Era a dose normal. Naquela noite apanhei do meu pai.

Uma casa dentro de um container? Sério? Esses malucos querem passar calor mesmo. Imagina só, viver numa casa de metal. Deve ser seguro pelo menos. Eu não me sinto seguro pra contar pra ninguém. Tentei explicar pro Henrique, mas ele disse que isso era falta de transar. Eu nunca transei. Às vezes ele pode estar certo, vai saber. Contei pra Joana também. Não sei pra que. A madeira da cadeira estalou. Espero que essa merda não quebre, mas não paro de balançar.

Uma vez ela me pegou chorando na porta do banheiro no meio da aula. Eu não tinha motivo. "Mas é claro que tem que ter motivo". Antigamente eu tentava explicar. Hoje em dia eu concordo pra pessoa desistir, mas a Joana não é dessas. Foi lá pra minha casa. Ficou comigo a tarde toda. Ela diz que é minha melhor amiga. Eu não paro de tremer. Falta pouco agora. Ainda faz silêncio. No fundo eu não quero que tenha ninguém do outro lado. Eu não quero que ninguém atenda. Pelo amor de Deus, uma casa de pneus? É essa não deu muito certo. Desabou na enxurrada, se é que dá pra falar assim.

Meu pai puxou a minha avó. "No meu tempo não existia isso. Esse menino precisa trabalhar e levar uma surra.". Eu já levei várias. Quando eu tinha forças pra ir trabalhar, eu ficava igual. Às vezes eu passava umas horas sem chorar ou ficar ansioso, mas no final do dia sempre vinha. Nesse dia briguei com Joana. "Você não pode deixar sua avó te afetar assim. Você não está lutando". Ela não sabe do que está falando, mas não tentei dizer isso a ela, só tomei os remédios. A luta é pra estar aqui. "Daqui a pouco você vai se dopar pra esquecer tudo. Você não está lutando". Lutei pra não querer morrer depois disso. Fui dormir. O ventilador parou. Deu cheiro de queimado.

Acho que ele vai me chamar a qualquer momento. Essa casa é de madeira de demolição e jornal. Ficou bonita. Eu moraria nessa casa. Parece confortável e forte. Eu já não sei direito o que dá pra fazer. Nada do que eu faço tá bom pra ninguém, por isso desisti. Parei com os remédios. Aí apareceu a Camila. Já falei da Camila? A cadeira estalou de novo, mas agora parei de balançar. Ele vai me chamar a qualquer momento.

Eu não sei o que eu tenho com a Camila. Eu só sei que tenho e é muito bom. A Camila me entende. Ela também chora às vezes. Nunca perguntei por que. Acho que não tem por que. Ela me disse pra tentar de novo. Deixei minha mãe achar que me convenceu, mal não ia fazer né? A Camila quer saber de tudo. Ela me procura sempre. Eu também procuro a Camila. Ela disse que não é minha culpa. Eu sei que não é, digo agora eu sei. Ela me deu esperança. De que? Eu não sei. O programa acabou. Ela disse que ia me ligar no final. Queria os detalhes.

A porta abriu. Saiu um paciente. A cara dela tava boa. Sorriso bonito. Será que eu vou sair assim também? Engraçado, não cai da cadeira. A sala dele parece fresca, veio um ar gelado lá de dentro. Gostei mesmo da casa de material de demolição. Acho que as vezes a gente consegue aproveitar aquilo que foi destruído e construir algo ainda melhor. Pensando bem, foi a Camila que me disse isso. Ela disse que o que é mental não quebra o espírito. Eu não sei o que significa, mas achei bonito.

A Camila é bonita. Me fez enxergar de novo. A cara do médico é boa. Acho que vou entrar. Quero sair de lá bonito também.

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