A sala estava um caos. Fora o sofá, haviam duas mesinhas viradas e dois abajures e três vasos quebrados. Cacos de vidro por todos os cantos. Os estragos corporais eram grandes também. Melanie tinha a boca e o nariz partidos, o rosto com grandes marcas que logo ficariam roxas, a barriga com enormes hematomas dos murros recebidos, uma luxação na mão esquerda, as pernas com arranhões longos, que iam da coxa até o tornozelo e o couro cabeludo completamente dolorido pelos puxões. Harry tinha a sobrancelha partida, assim como a boca, que já era blasé, vários talhos nas laterais do rosto e pescoço, as costas retalhadas de unha, um corte debaixo dos cabelos pelo vaso que levara ali, a barriga dolorida pelos pontapés que recebera... Enfim, os dois pareciam ter voltado da guerra. Foram pro quarto de Melanie, ligando a ducha bem quente, pra espantar o frio que fazia lá fora. Os ardores quando a água caiu nos cortes recentes foram bravamente ignorados pelos dois, que ficaram se namorando, se curtindo ali por um bom tempo.
Harry: Um dia... Daqui há anos ou uma vida... O que você acha de filhos? – Perguntou, abraçando-a por trás, e Melanie franziu o cenho.
Melanie: Sabe que eu não posso. – Disse, confusa.
Harry: Sei que você fez besteira. – Repreendeu, mordendo a orelha dela, que riu – Mas em alguns casos é reversível. Eu precisaria conversar com o médico que te operou pra saber. – Melanie passou um tempo, imaginando.
Melanie: Seria engraçado. Um bebê teimoso igual a você. – Alfinetou.
Harry: É, e teria o talento de mentir vindo do berço, igualzinho a mãe. – Rebateu, e ela riu.
Melanie: Não seria justo. Quero dizer, que futuro nós podemos oferecer pra ele? – Perguntou, e Harry a virou pra si, passando a mão no rosto dela, pensativo – Não podemos condená-lo a viver uma vida que escolhemos pra nós dois.
Harry: Poderíamos fugir. Quando fosse a hora. – Disse, acariciando os braços dela – Largar. Ter uma vida normal.
Melanie: Eles iriam atrás de nós. Até o fim do mundo. – Disse, sorrindo. – Isso incomoda você?
Harry: Não. – Disse, dando de ombros – Me incomoda só pensar no que poderia ser. Você seria uma ótima mãe.
Melanie: Eu seria uma mãe presente. – Ao contrário da própria mãe, pensou – O resto seria no improviso. – Disse, sorrindo. – Eu amo você. – Disse, e ele sorriu de canto, beijando o nariz dela.
Harry: Eu também. Bem desse modo confuso que você é. – Respondeu, enchendo o rosto dela de beijinhos.
Melanie o encarou, pensativa, e ele ergueu as sobrancelhas, esperando. Ela nunca imaginara, no momento em que o parara no trem, que terminaria assim. Nunca imaginara que ele conseguiria ultrapassar o escudo que ela criara pra si própria. Nunca imaginara que iria amá-lo. Verdade seja dita, não tinha explicação alguma para ter escolhido, uma vez que não tinha a mínima semelhança com Niall, mas começava a acreditar que fora Deus que a fizera escolhê-lo naquele momento. Pra dar um sentido a vida dela, pra trazer felicidade onde ela só tinha alegria. Para completá-la. Ela sorriu pra ele, beijando-o em seguida, e ele retribuiu, abraçando-a. Gostava desse tipo de reação, de senti-la entregue, apaixonada a esse ponto. Desse modo ele sentia que poderia dar certo, funcionar entre eles dois. O beijo se aprofundou, ganhando intensidade e Melanie suspirou, se estreitando contra ele. Harry a amparou na parede, por instinto, as mãos possessivas segurando-a contra si, ambos ignorando o fato de terem transado mais que satisfatoriamente há menos de uma hora. Harry subiu as mãos pela barriga dela, encontrando-lhe os seios e ela prendeu a respiração. Estava machucada, ele fora bruto da primeira vez. Harry desceu a boca pelo pescoço dela, passando por todas as marcas que deixara ali com beijos molhados, tocando-a com cuidado. Dessa vez foi diferente. Sem pressa, sem raiva, com carinho, paixão, cuidado. Se amaram debaixo do chuveiro, ignorando a loucura que a situação em si representava, apenas felizes por estarem juntos de novo.
Melanie teve uma dificuldade razoável para recebê-lo a inicio e ele não precisou questionar porque: A violência dele deixara rastros, machucados, e ainda que ele estivesse com ódio, ela ainda era mulher. Estava sensível, tanto que chegou ao ponto dele querer desistir perante o desconforto/dor dela, mas ela não deixou. Disse que ficariam bem, e o beijou. Aconteceu assim: Depois da tempestade na sala, a calmaria no chuveiro. Quando terminou os dois ficaram abraçados um bom tempo, em silencio, só se sentindo. Só deixaram a água quando o frio prevaleceu. Se vestiram com roupas agasalhadas (Harry se agradecendo internamente por ter levado pouca roupa para a Grécia) e voltaram pra sala.
Harry: Santo Deus. – Gemeu, vendo o estrago.
Levou quase meia hora pra limpar os cacos de vidro, jogar tudo fora, colocar as coisas no lugar, se livrar das roupas rasgadas de ambos, consertar o que tinha conserto, encontrar o cachorro... Enfim, deixar a sala apresentável outra vez. Por fim Harry levantou o sofá virado, branco, pesado, pondo-o no lugar de novo e se jogou ali, respirando fundo. Estava acabado. Depois do banho tivera que fazer curativos nas plantas dos pés, retirando lascas de madeira e cacos de vidro dali. Seu corpo todo doía pelo dia esforçado, tanto quanto em sexo quanto na briga e na fuga do hotel. Melanie não ficava muito atrás. Tinha tido a viagem da Grécia, que a derrubou emocionalmente, a volta pra casa, as horas em pranto, o golpe que levara de Niall, a noite mal dormida (ela desmaiara com o golpe de Niall, então vagava entre a consciência, onde caia no choro novamente, e a inconsciência, onde tinha pesadelos onde Harry de certa forma sempre parecia fugir de suas mãos quando ela estava prestes a tê-lo), depois não se alimentara, brigara com ele, apanhara feio, então o sexo. Mal conseguia andar, sentar era um tormento.
Harry viu ela prender as armas que os dois haviam derrubado debaixo da mesinha de centro e chamou ela com a mão. Melanie engatinhou até ele, subindo em seu colo e gemeu, totalmente dolorida. Ele usava uma camisa branca e calça abrigo, e ela um short cinza com uma blusa bege de manga cumprida. Sexta-feira, passado o susto da briga na sala, estava muito confortável, sentado em uma das poltronas da sala.
Harry: Durma. – Disse, acolhendo-a em seu peito, tirando-lhe o cabelo do rosto e ela assentiu, acomodando a cabeça no peito dele.
Nem tinha como recusar. Ambos dormiram quase que instantaneamente, caindo em um sono pesado, profundo, abraçados. A chuva continuava impiedosa lá fora. Foi a chuva que encobriu o barulho de carro, quase seis horas depois, e as pisadas do lado de fora. Harry só despertou porque Sexta-feira fez festa, o rabo abanando pros lados, recebendo quem chegou. Harry cerrou os olhos e olhou Melanie dormindo em seu colo. Apertou o abraço nela e olhou em volta, tentando se situar das horas, morrendo de vontade de voltar a dormir. Foi então que viu um vulto feminino subindo a escada, e Niall apareceu na porta da sala, salpicado de chuva.
Niall: Precisamos conversar. Você e eu. – Disse, o semblante e a voz sérias, o rosto fechado, como Harry nunca havia visto antes.
Não havia visto antes e preferia passar a vida sem ver, mas agora já era tarde.
Harry fez sinal pra Melanie, que dormia, e Niall assentiu, apontando com a cabeça pro escritório e saindo dali. Harry se virou com Melanie no sofá, como se tivesse deitando de conchinha com ela e esperou até o sono dela se tranquilizar de novo. Deu um beijinho no ombro dela e se levantou, mancando até o escritório. Chegando lá Niall estava parado ao lado da mesa, girando o revolver entre os dedos. Harry parou na porta, entendendo. Niall estava furioso pelo que ele havia feito.
Niall: Eu perdi dez homens essa noite porque você resolveu cantar. – Disse, girando o revolver na mesa – Dez vidas. Parece certo pra você?
Harry: Não. – Disse, entendendo.
Niall: Feche a porta. – Ordenou, sério. Harry não tinha certeza de que queria fazer isso, mas fechou a porta.
Harry: Eu não entendo. Eu não disse nada comprometedor, porque mataram seus homens?
Niall: Sabe por que todos nós estamos soltos, Harry? Andando na rua tranquilamente, sem precisar nos esconder? Porque o FBI sabe quem somos, sabe o que fazemos, mas não tem como provar. – Disse, virando o rosto sério pra Harry – Você foi de livre e espontânea vontade, nas mãos deles, e se ofereceu como a prova. Bastou.
Harry: Oh.
Niall: Tá pensando que isso aqui é brincadeira, Harry? Que é como seu relacionamento com Melanie? – Perguntou, se virando. Harry estava ciente da arma na mão dele – Existe todo um esquema em torno de mim, e aquelas pessoas, aqueles que morreram pra guardar meu segredo, morreram acreditando que eu não os entregaria!
Harry: Você não os entregou. – Disse, quieto.
Niall: Não fui eu, mas foi alguém do meu circulo interno. Alguém que soube de tudo praticamente pela minha boca. É como se tivesse sido eu. – Disse, quieto.
Harry: Eu sinto muito. – Disse, sem ter o que dizer. Niall hesitou, respirando fundo.
Niall: Harry, o certo e o justo é que eu mate você agora, por ter feito o que fez, em memória dos dez que morreram pelo seu erro. – Disse, sério, o dedo tracejando o gatilho da arma.
Harry não teve reação pra isso. Um movimento de Niall e ele estaria morto antes de bater no chão. Não tivera tempo nem de se despedir de Melanie, de lhe dar um ultimo beijo ou dizer que a amava. Que pena.