- Tô dizendo, homi. - Insistiu a criada. - Eu vi ele lá, o comandante; ajoelhado se tremendo todo. - Fez uma pausa. - E o rei quase em cima dele qui nem um touro raivoso.
- Disseram que antes disso, o tal generá colocou uma espada na garganta dele. - Comentou o açougueiro. - Te digo uma coisa, se a espada desse sinhôzinho fosse afiada igual ao meu cutelo aqui, teria passado na goela dele igual ferro quente na banha. - Completou descendo a lâmina firmemente numa costela de carneiro.
- Ocê fala demais, isso sim. - Respondeu a criada ao som de mais uma batida do cutelo nos ossos.
- E tu num tem que levar as coisa lá na sala não? - Respondeu bravo, enquanto apontava a larga faca para criada. - Daqui a pouco quem vai ter a goela degolada é ocê. Quer parar no espigão, é?
A mulher abraçou a si, como se estivesse sentido um calafrio.
- Me dê isso, homi. Vou levar pra cozinha. - Jogou as porções de carne numa pequena bacia saindo às pressas.
- Até que enfim, Larda. Foi matar o carneiro, é? - Questionou a cozinheira zangada.
- Mi Dicurpa, Doro. - Largou o recipiente com os pedaços de costelas numa mesa. - É que o Neme fala demais.
A cozinheira estreitou os olhos.
- Óia só menina, num era pra ocê ter ido lá, viu? E ota, eu sei muito bem quem é que tem a língua grande aqui, viu menina. Bora, me dê erssa mão aqui. - Tomou as mãos de Larda nas suas e as cheirou.
Dorotheia fez uma careta, e se dirigiu para uma prateleira da cozinha, pegou algumas folhas frescas de perfume suave.
- Lave ar mão, depois esfregue isso aqui nerlas. - Falou entregando-as para a garota. - Pelo meno colocou o avental. - Completou.
Larda a obedeceu, Dorotheia voltou a cheirar suas mãos.
- Bem mió. - Disse. - Óia, minha fia, naquela sala ocê tem que ser invisivê. - Olhou para a garota analisando-a - Si beim que com uns peitos dersse ai é dificê num meio de tanto homi.
Larda, apertou os seios contra si.
- Toma, leva esse vinho lá e sirva o conselho. - Entregou-lhe uma bandeja de prata escovada.
A cozinha possuia diversas saídas, muitas delas levavam direto para pontos onde mais se necessitava de comida. A principal levava ao grande salão, uma delas era uma escada que saia no corredores de vários aposentos. Por onde Dorotheia guiou Larda levava a um não muito largo corredor.
A jovem possuía pés lijeiros, em pouco tempo chegou à uma estreita porta, e nela estava um guarda.
Ao vislumbrar a figura feminina uma ruga de reconhecimento brotou no rosto da sentinela; em seguida o guarda abriu-lhe a porta e lhe deu passagem.
A criada entrou de cabeça baixa. A sala era muito menor que o salão de jantar do rei, mas era maior que muitos lugares dentro do castelo.
Os olhos de Larda dançaram pelo local e captaram a bandeira de Casco pendendo em um pequeno mastro, com outros onze suportes vazios cercando-a, em seguida, virou para a bancada onde estavam os cinco do conselho.
Subiu os três degraus que deixavam a bancada acima do resto da sala, foi direto ao rei que estava ao centro das cadeiras.
Virou o vinho no cálice incrustado de jóias do nobre, em seguida se dirigiu ao cálice de Allanis.
- Ele não pode fazer isso. - Ouviu Allanis dizer ao pé do ouvido de Marcius. - Isso é um ultraje. Se seu pai estivesse aqui esse aí já teria sido morto, independente de onde quer que tenha vindo.
- Meu pai está morto. - Rebateu o rei. - Quem decide o que fazer agora sou eu. - Allanis se calou de pronto, pegando o cálice com o líquido de tom bordô.
Larda se dirigiu para servir Paliott, que fez um gesto dispensando-a.
A garota virou por trás das cadeiras, indo até a outra extremidade da mesa, mas antes que pudesse servir Aminor, o tesoureiro disse:
- Traga-me cerveja.
- Será providenciado, meu Senhor. - respondeu Larda com um leve dobrar de joelhos.
Se virou para servir o comandante das tropas. Encheu-lhe o cálice até o meio, antes que retirasse a jarra da boca do copo de Gestur, agarrou-a mão e tornou a virar o vinho até quase transbordar.
Um leve ranger de porta chamou a atenção de todos, e isso era um sinal para Larda se retirar, e assim o fez sem que fosse notada.
Pela porta entrou um homem com a postura de um cavalo treinado para a marcha; segurando uma haste que se estendia dois palmos acima de sua cabeça, com um estandarte fixado na ponta.
A árvore negra, com raízes fartas e galhos que se espalhavam em várias direções, bordada em um tecido prata indicava quem seria o anunciado.
Em uma reverência rigida, com um rápido dobrar de tronco o porta estandarte disse:
- Senhores, venho anunciá-lo. Ele, que veio das terras da árvore sagrada, que finca suas raízes fundo no seio da terra, cujo o tronco é duro feito o aço e flexível como a seda. Que tem galhos que se estendem e grande amplidão, que com sua seiva nos alimenta e nos mantém fortes para as batalhas vindouras. - Fez uma curta pausa. - Anúncio Arlan Toz, filho de Arlanc, filho de Hariland, O arrogante; primogênito de Heri, O antigo. Anúncio seus comandantes, vindos dos nove reinos do Cinturão, anuncio a âncora de Partagos do Imperio Kaaerin. - Levou o estandarte e o colocou ao lado do de Casco, em um dos suportes vazios. Em seguida fez uma reverência mais inclinada e demorada e logo após retirou-se da sala.
Arlan fora o primeiro a passar pela porta, viu os quatro conselheiros ao lado do rei, permaneceu em silêncio enquanto seus comandantes entravam e os estandartes dos outros nove reinos, juntos com o de Partagos eram colocados nos demais suportes. Mesmo depois disso conservou-se calado até que fosse incômodo aos presentes, por fim arqueou uma das sobrancelhas e disse:
- Esperam que eu os desçam no colo? - Indagou. - Não sou a ama de vocês. Vamos, temos muito o que tecer para vencermos essa guerra. - Incitava-os com os braços para que viessem até ele.
- Vocês eram esperados somente para daqui uma semana. - Disse Aminor. - Tive de vir às pressas da minha caçada.
- Não vejo nisso um problema. - Rebateu Arlan.
- Não me entenda mal, general. O que ocorre... - Tentou se explicar quando foi interrompido.
- Há treze anos o necromante faz sua campanha no norte, ganhando e perdendo terreno, a guerra nunca nos foi urgente. - Disse Allanis contrapondo a fala do colega. - E tem aquele rei àrvore, que o colocou pra correr direto para os buracos de Zeto. - Se as chamas que irradiaram dos olhos de Aminor pudessem queimar, a sacerdotisa teria sido consumida até os ossos.
- Isso foi há dez anos - Contrapôs Marcius. - Paimé morreu faz três. - Allanis inclinou-se sob o seu assento e voltou ao silêncio como se o fizesse a contra gosto.
- Os relatos de Terrapreta nos dizem que o que segura o inimigo é o vasto território de Panta e as Termas que terá de contornar. - Disse o general.
- Terrapreta? Aquele reino de ladrões e pecadores? Não me faça rir senhor general. - Focou seu olhar nos comandantes atrás de Arlan. - Diga-me, quando vocês souberam das notícias que nos trazem, vocês já tinham esfaqueado o informante ou ainda estavam roubando-o?
O som de desembainhar foi ouvido, e a espada de Ulf brilhou. O comandante de Terrapreta avançou sobre a bancada, mas fora detido pela mão firme de Arlan. Ulf era pelo menos meio metro menor que o General, o que fez parecer que ele segurava um jovem impulsivo.
- Ele é mesmo um homenzinho divertido - Falou enquanto o pequeno homem tentava se desvencilhar da mão que o aprisionava. - Venha em um culto que eu mesma dirijo no primeiro dia da semana.
- Cale-se mulher! - Gritou Marcius. - Vamos acompanhar, ver o que podemos fazer para nos vermos livre dessa ameaça. - A indisposição na voz de Marcius era evidente.
Arlan foi até uma mesa que estava disposta na sala e abriu um imenso mapa, pôs pesos nas extremidades para que ficasse aberto. Em seguida fez um sinal para que um de seus comandantes viesse à frente.
- Temos navios desde o oeste de Malka até o estreito que separa Onmé de Imús. - O dedo de Loto fez um arco no mapa. - Os navios vêm e vão. Nenhuma jangada sequer passa por nós sem que tenhamos conhecimento.
- Isso é realmente impressionante - Comentou Gestur.
- Não é apenas isso. - Completou Arlan. - Há batedores seguindo para Panta, para nos assegurar os passos do inimigo.
Todo o conselho acompanhou a explicação dos militares.
- Somamos setenta e quatro mil soldados. - Continuou o general.
- Haja soldo para manter tantos homens. - Aminor disse baixo. Mas o suficiente para os ouvidos de Arlan escutar.
- Ouro não é o problema, temos cinquenta Estalos de ouro. - Respondeu. - Entendam, vencendo a guerra não estaremos eliminando essa escória, mas usufruiremos dos espólios que Kaeerin tem a nos oferecer, Partagos está de acordo.
- Você está se esquecendo contra quem iremos contra. - Disse Marcius olhando para o general. - O oeste está devastado pela guerra da queda, e Hakon já conquistou três dos cinco reinos de Kaaerin. - Fez uma pausa. - E pelo o que vocês nos conta está aniquilado Panta.
- É por isso que usaremos o elmo contra ele. - Insistiu Arlan.
Um murmúrio começou nas bocas dos quatro do conselho.
- Elmo? De qual elmo estamos falando? - Questionou Allanis.
- O Elmo de Blake. - Respondeu o militar.
Os olhos da sacerdotisa arregalaram-se. No entanto, antes que pudesse falar algo o rei olha-a severamente e disse.
- Se Abrir a boca mando cortar-lhe a língua. - Allanis engoliu seco como se engolisse suas palavras.
- O elmo é uma lenda. - Disse Aminor. - Nossa maior garantia é essa?
- Todos nós estamos ansiosos para vê-lo. - Disse até então o calado Palliot.
- Este é um dos motivos de estamos aqui. - Respondeu Arlan. - Tragam-o.