4. ele cozinha e convence

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     Colocando a mão em cima do balcão que separava a cozinha da sala, Lívia me encarou. A sobrancelha sempre arqueada, enquanto ela arfava. 

     Suspirando, comecei a tirar a cebola, os pimentões e o alho de dentro de uma das sacolas, não dando atenção para a parte que eu ia embora. Eu sabia que qualquer pessoa podia ser conquistada pela barriga, e se eu tivesse escutado certo, ela não sabia cozinhar, então aquela seria uma das poucas comidas caseiras e recentes que ela provaria. Claro, isso tudo com a teoria de que seu namorado não cozinhava pra ela, e mesmo assim eu tinha certeza que não seria igual a mim. 

     — Aquiles! — Gritou quando eu não falei nada, batendo a mão com força contra a madeira do balcão. O jeito que ela gritava meu nome ajudava com minha imaginação.

     — Eita! Não precisa dessa violência, que que o balcão fez pra ti? — Ri, levantando as mãos e olhando para trás. Ela estava com os olhos fechados agora, e eu me virei completamente, me apoiando na pia e cruzando meus braços. — Eu segui o ônibus, esperei tu sair e daí só acompanhei pra onde tu tava indo. — Dei de ombros no momento em que ela abriu os olhos. 

     Gesticulando com as mãos, apontei para onde ficaria o mercado ali perto e continuei. —  Aí eu fui no mercadinho, comprei as coisas e bati um papo com o zelador. Tu sabia que ele tem três filhos? E a mulher dele tá esperando o quarto agora, ele acha que vai ser uma guria. 

     Com isso, ela voltou a abrir a boca e eu me virei para a pia, não querendo aqueles pensamentos de novo. Será que Clara ainda topa sair? pensei, enquanto olhava nos armários por uma tábua de cortar e imaginava que seria expulso dali a qualquer minuto, com fome e de pa'u duro.

     — Tu tem sérios problemas. Tu acha que isso que tu tá fazendo é normal? Porque não pode ser que tu realmente ache que isso é normal. 

    Dei de ombros de novo, olhando dentro de um armário. — Cozinhar é algo super normal. Onde que tá a tábua pra cortar?

     — Nossa, eu sou o Aquiles, eu tenho um nome excêntrico, sou loiro, privilegiado e sonso! — Ela disse na sua maior voz sarcástica, e de repente e sua mão fechou o armário o qual eu investigava, o estrondo quase me ensurdecendo. Olhando para ela, não queria encarar a minha própria morte dentro dos seus olhos, mas não me aguentei. 

     Ela realmente era linda e irritada.

     — Tu acha que por causa disso tu pode entrar na minha casa e ir cozinhando, achando que é dono de tudo? 

     — Não acho, mas, sei lá... É uma oportunidade de tu ver que eu sou a tua melhor opção pra dividir o apartamento. É aquela entrevista que eu comentei, sabe? E eu to com fome.

      Lívia deixou o rosto irritado cair por alguns segundos, mas logo ele voltou acompanhado de um som de derrota. Se agachando, abriu uma das portas de baixo da pia e tirou uma tábua vermelha sem nenhuma marca de faca. Atirando a tábua na minha frente, abriu uma gaveta e retirou uma faca comprida e afiada, atirando ela na minha frente também. 

      Ela bufou e foi para a sala, eu acompanhei ela com meus olhos, virando de novo e me encostando na pia. Assisti ela com um sorriso no rosto que era estranho pra mim, porque era de verdade e era um que eu só mostrava para quem eu considerava minha família, principalmente durante aqueles dias onde sorrir ficava difícil porque não consegui dormir. 

     Decidindo colocar a faca a tábua em uso, sacudi minha cabeça e virei para a pia. Pegando meu celular do bolso, coloquei no aleatório alguma música e comecei a cantar baixinho junto dela. No fundo Lívia parecia estar mais perto de mim, com barulho de cadernos e folhas sendo jogadas em cima do balcão e a sua respiração forte acompanhando o som das canetas dentro de um estojo.

Boa noite, Aquiles ✓Where stories live. Discover now