PARTE 2

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  Era uma madrugada fria. Os lençóis pareciam ter peso sobre o corpo de Laura, que em meio à ansiedade e medo do que viria a visitar em menos de 2 horas, mordia seus lábios, até causar feridas profundas. Até sangrar.

  Ela havia herdado essa mania de sua mãe. Sempre que seu pai demorava a chegar em casa, aquela mulher ficava em pé, diante o portão, com os braços cruzados e uma postura rígida. Olhava atentamente a rua e esperava que a próxima pessoa que passasse, fosse ele. E durante essas noites de dúvida, sem saber se ele voltaria para casa, ela mordia seus lábios. Houvera uma vez que Laura, criança e inocente, chegara perto de sua mãe e a olhou no rosto, e a cena que nunca se esqueceu foi a de ver metade dos lábios de sua mãe totalmente arrancados pelos próprios dentes, sangrando e inflamado, mas aquela mulher não reclamava de dor, apenas esperava que seu marido chegasse logo. Até que em uma noite ele não voltou. A polícia levou a mãe de Laura para o necrotério e ela identificou o corpo, e logo em seguida, contou a Laura sobre o ocorrido. E mesmo demonstrando tanta preocupação durante anos pelo seu marido, mesmo com os olhos marejados, ela disse: Ele era só um bêbado. Não precisa mais se preocupar com ele. Laura não tinha certeza se era a raiva falando, ou talvez, o próprio alívio.

  Mas ali, na cama, olhando para o relógio de ponteiro pendurado à sua frente, aguardando os últimos minutos para ás 5 horas da manhã, sentindo a respiração cada vez mais ofegante, tudo que importava, era quem iria a visitar àquela hora. Suas mãos estavam geladas e ela suava frio. Até que 5 horas em ponto o relógio marcou. Laura se encostou na cabeceira da cama e fechou os olhos, cravou suas unhas no colchão até que enfim percebeu uma brisa de ar frio suave atravessar pelo seu rosto. Abriu os olhos e se espantou: bem à sua frente havia uma criatura indecifrável. Mais preta que o escuro da noite. Imóvel e ajoelhada sobre a cama, aos pés de Laura. Mesmo sem que Laura pudesse ver seu rosto, ela sabia que aquilo a encarava. Parecia estar zangado pois bufava. Ele era pequeno, mas tinha pernas e braços longos e fortes, cheirava a cinzas e era totalmente preto. Como uma sombra. Mas Laura o encarava também, estava espantada com o que via, confusa e talvez com medo, mas acima de tudo, estava curiosa.

  - Você é tão gananciosa, Laura! – Indagou ele de repente – Pediu tanto. Eu movi o inferno para dar o que quer. – Sua voz era profunda, parecia ser um som estéreo, que alcançava cada ponto daquela casa de forma igual: Precisa, confiante e amedrontadora. – Eu sou a visita, e o seu prêmio chegou.

  - Q-quem é v-vo-cê? – Questionou Laura em meio a gaguejos.

  - Isso você não precisa saber, e muito menos quero que saiba. – Ele se arrastou para mais perto dela e estendeu sua mão sobre sua cabeça – Eu é que preciso saber se está realmente disposta a receber seu prêmio.

  - Eu... – Laura começou.

  - Hesitou por quê? – A criatura questionou.

  - Não hesitei... – Ela estava confusa e sua dor de cabeça estava quase a explodir seus neurônios – Sim! Estou disposta.

  - Então permita-me... – Ele se arrastou para mais perto dela, e o cheiro de cinzas ficava mais forte a cada minuto. Ele estendeu sua mão sobre a cabeça dela e bufou mais uma vez – Tudo o que desejas, ganhará. Tudo o que lhe pertence, perderá. Se um dia amou, mas não soube e por ódio pediu para se ir, então morrerá. – Disse ele em tom de profetização. Ele se afastou e pareceu começar a encolher, ficava menor cada vez mais. – O prêmio é seu, parabéns! – Disse ele nada empolgado enquanto sumia aos poucos. – E sinto informar, mas não há devoluções.

  Laura olhou para o relógio, e eram 05:05, tudo aquilo havia durado apenas malditos cinco minutos, mas parecia ter passado horas. Ela não conseguia se mover, tinha medo daquilo aparecer novamente em meio as cobertas ou surgisse de baixo da cama assim que ela colocasse seus pés no chão. Então continuou, paralisada e na mesma posição quase sem respirar.

  O sol se levantara por trás dos prédios novamente. Era um novo dia, e uma nova rotina talvez. Laura estava tão amedrontada e com frio. O quarto estava gélido e escuro. Ela precisava se levantar, então rapidamente pôs seus pés no chão e saiu correndo de encontro com a porta, saiu e fechou novamente, para que caso a criatura estivesse a perseguir, não pudesse chegar até ela.

  Se recompôs, mesmo que com sua expressão pesada, seus lábios pálidos e a boca seca, ela tentou fazer um esforço para seus filhos não a verem desse jeito. Se dirigiu até a cozinha, fez o café da manhã de todos os dias para os seus filhos e foi até a sala, onde estranhou, pois as crianças não estavam à mesa. Eles sempre já estavam uniformizados e prontos para tomar o café da manhã, mas naquele dia, eles não estavam. Ela foi até o quarto deles, coisa que não costumava fazer, e se deparou com eles deitados sobre suas camas. Estavam pálidos e suando frio. O quarto estava abafado e com um cheiro de xixi horrível. Praticamente impregnado nas paredes. O estado deles era de calamidade. Miserável situação a que eles se encontravam. O quarto mofado e sujo, as roupas imundas e os lençóis com manchas de xixi largadas por todo chão. Era uma cena infeliz.

  Ela se sentou na cama, ao lado de Julia, sua filha mais velha. Passou os dedos sobre os cabelos dela e acariciou. Pela primeira vez, Laura demonstrava preocupação.

  - Vocês não vão para escola? – Questionou Laura – Já estão atrasados.

  - Não. – Disse Julia de modo assertivo.

  - O que houve? Vocês estão bem? – Laura era ótima em fingir não ver o que estava explícito.

  - Caio fez xixi na cama novamente, disse que está tendo pesadelos, mas eu estou cansada desse cheiro, mãe, eu não sei como se lava um colchão. Eu estou me sentindo péssima hoje, nós dois estamos morrendo de fome, estamos fedendo. Você não nos ama, nunca nos deu nada. Nunca cuidou de nós! – A voz de Julia estava extremamente rouca e falha, mas se pudesse, Laura teve certeza que ela estaria gritando.

  - Eu... não posso fazer nada. Me encontro na mesma situação que vocês. – Indagou Laura – Sinto muito.

  - Então nos deixe ficar em casa hoje, pelo menos! – Os olhos de Julia pareciam estar prestes a se preencher de lágrimas, mas ela fazia o maior esforço para que não chorasse em frente à sua mãe. – É só o que eu te peço.

  - Ok, podem ficar. – Laura assentiu.

  Saiu do quarto. De alguma forma sentia pena de seus filhos. Mas não o suficiente. Ela não se importava com eles o suficiente. Voltou para a sala de estar onde se sentou no sofá e se deitou, como em todas as manhãs. Mas resolveu pegar o controle remoto da TV novamente e tentar ligar. Apertou o botão, sem esperar que desse certo, e de repente a TV ligou, no canal de sempre, justamente enquanto passava uma propaganda de diet shake. Laura se espantou, logo em seguida soltou uma gargalhada. Estava tão feliz pela TV ter ligado. Ficou contagiada, esperançosa e com um sorriso que dominava seus lábios. Quando percebeu que a luz estava de volta, correu em disparada e ansiosa para o banheiro, e o chuveiro estava funcionando normalmente. Ela gargalhou novamente e então parou por um segundo, quando olhou seu reflexo no espelho, coisa que não fazia a tantos meses, desde que seu marido havia a deixado. Ela paralisou em frente ao espelho e se observou sem cessar. Começou a acariciar seu rosto, sua pele e conseguiu se sentir bonita. Seu cabelo não estava em seus piores dias, ela não estava se sentindo gorda e sua pele estava rosada, com cor. Ela estava linda.

  Movida pela empolgação, uma vontade louca de tomar banho e de cuidar de si própria a invadiu loucamente. Ela tirou sua roupa, ficou totalmente nua em frente ao espelho e soltou um sorriso de satisfação. Entrou de baixo do chuveiro e se banhou com água morna e abundante. Ela estava tão feliz, se ensaboava e enquanto isso cantava. Sentia seu coração bater, e tudo isso parecia ser novo. Como se nunca houvesse vivido esses pequenos bons detalhes em sua vida.

  Percebeu que não sentia dor em seus ossos, estava ótima enquanto se movimentava de um lado para o outro sem sentir uma fisgada em nenhuma parte de seus ossos. Ela se sentiu tão grata, pois aquela dor cortante parecia ter lhe dado uma folga considerável. Lavou seu cabelo, limpou seu corpo da cabeça até os pés, até se sentir totalmente limpa.

  Estava vivendo um dia abençoado. E notou isso rapidamente. Tão rápido que se esqueceu de quem era de verdade. 

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⏰ Poslední aktualizace: Mar 09, 2018 ⏰

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