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De repente, ela não era mais a minha menininha. Pensava sozinha, seguia sozinha.

Naquela manhã, desci as escadas lentamente. Vi o sol se fazendo insignificante perante a frieza do dia.

Fiz café como de costume, arrumei os lugares na mesa, só para fingir para mim mesma que era um dia como outro qualquer. Lembrei-me de quando ela era criança e seus pés não alcançavam o chão quando sentava naquela cadeira. Acho que sempre quis ser independente ao seu modo. Olhei para a cadeira e pensei que, a partir daquela manhã, com exceção de um final de semana ou outro, eu tomaria café sozinha. Não haveria aquela cumplicidade.

Fiz dela mais do que filha. Fiz dela amiga, espelho, orgulho, anseio. Toda minha vida. Lembrei-me do dia em que ela nasceu. Eu, jovem demais para entender como seria, me fiz adulta assim que a olhei. Deixei de lado as preocupações banais, toda ânsia juvenil por mudanças. Finquei os pés no chão.

Hoje, já mais velha que eu naquela época, ela chegou ao seu objetivo. Não que seu objetivo seja a minha solidão; afinal, não deixo que ela saiba que sinto isso.

Entre um gole e outro de café, tomei forças, fui até a ponta da escada e a chamei. Radiante, ela desceu de pijamas e pulou em meus braços. O abraço, intenso como nunca, era tão verdadeiro e próximo que parecia não caber nem um filete de ar entre nós.

Fechei os olhos, pois ela sempre repetia que os momentos se eternizavam quando o sentimos de olhos fechados. Ela olhou para mim e disse:

         - Mãe, hoje vou para a faculdade!

Vendo toda aquela juventude, me senti velha e falei:

          - Eu sei, filha e me orgulho disso. Aliás, suas malas estão prontas? - perguntei tentando desviar do assunto sentimento.

Ela apontou para o outro canto da sala e me mostrou tudo empacotado. O táxi chegaria depois de uma hora. Sentamos, e eu mostrei a ela o suco de laranja, as torradas e os biscoitos preferidos. Perguntei sobre a pintura do novo apartamento. Ela disse que tudo estava pronto. Novamente, tudo como de costume, exceto eu.

Naquele dia, entendi como o ser humano era dicotômico. Metade de mim era alegria e outra metade era medo de estar sozinha.

A hora chegou. Amparada pelo batente da porta, como se fosse minha sustentação, olhava para a rua, para o táxi. E não via nada já que as lágrimas tomaram todo meu eu. - Mãe! , ela me chamou. Eu tentando encher aquele vazio dentro de mim de ar, me virei. Ela veio até mim de maneira decidida, forte, e se fez maior que eu. Me senti pequena, indefesa, e só ela, minha filha, poderia me fazer grande novamente.

             - Eu vou, mãe! Vou seguir a minha vida mas vou com você. Não tão perto quanto de costume. Mas lembre-se de que nada é tão longe que não possa ser amado -disse, lembrando-se do que lhe ensinei.

Abraçamo-nos. Abraço diferente aquele... Adulto, próximo, esperançoso, relutante, receoso.

E ela foi. Fechei a porta e sorri. Ela me fez completa de novo. Minha menina já não era mais apenas minha, nem apenas menina. Era uma mulher, dona de si mesma, com anseios ora adolescentes, ora maduros demais. Amo todas aquelas facetas! Às vezes menina, às vezes mulher... e sempre minha filha.

Dos meus braços ao mundoWo Geschichten leben. Entdecke jetzt