Capítulo 1

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Os dois ponteiros haviam acabado de encontrar-se na posição mais elevada daquele relógio quando, acobertados pelos estrondos provenientes dos fogos de artifício que marcavam a chegada de mais um ano, aqueles sons muito similares ao dos rojões estourando fizeram sua maior vítima daquela noite. Elizabeth, a mais nova habitante do outro mundo.

O corpo caído no chão, o seu vestido novo com uma mancha de sangue que quase alterava a cor original e todos os sonhos daquela talentosa jovem jogados à imensidão. Os cumprimentos efusivos só deram lugar à preocupação quando os fogos finalmente pararam de iluminar o céu sem estrelas e os olhares puderam observar, como sombra de toda a felicidade, o corpo esguio, porém bastante bem desenhado, jogado ao relento. Os gritos de Feliz Ano Novo deram lugar aos gritos de desespero em uma escala sonora ainda mais inflamada. Ninguém pudera entender, a princípio, como aquela tragédia houvera acontecido bem em frente aos seus olhos, sem que ninguém notasse. Aos familiares só restava à dúvida cruel de saber quem havia praticado tal ato tão cruel. Uma jovem, no auge dos seus dezoito anos, com um futuro promissor pela frente, agora, aguardava a ambulância, desacordada, enquanto os outros assistiam a todos àqueles planos indo por água abaixo a cada segundo que passava. A ajuda médica chegara alguns minutos após à terrível cena, mas não restava mais nenhum fogo naquela vida.

Elizabeth nunca comportou-se como uma menina imatura. Seus traços físicos eram similares aos de mulheres mais velhas. Esse não era o único fator que a fazia ser diferente de todas as garotas de sua idade. Apesar de jovem, possuía alguns valores bem definidos. Sua personalidade forte não assemelhava-se em nada com os leves passos de ballet que fazia em suas muitas horas de ensaios na escola mais desejada por qualquer bailarino daquela cidade. Apesar da individualidade, assim como qualquer outra jovem da mesma idade, os hormônios a deixavam uma pilha de nervos quando deparava-se com qualquer tipo de problema, por menores que fossem.

O sonho de tornar-se uma bailarina profissional a acompanhou por toda a sua vida. Não conseguia imaginar-se vivendo de outra maneira que não fosse completamente entregue à dança. Os pais a incentivaram em batalhar pelo seu sonho desde pequena. Quase todos os aniversários tinham o mesmo tema. Vestir-se de bailarina, desde criança, era uma rotina muito prazerosa para ela. Os sorrisos que acompanhavam o rosto daquela garotinha em cada festa não eram unicamente pela comemoração de mais um ano de existência, ser o centro das atenções naquelas vestes lhe trazia um prazer ainda maior. Seu gosto por músicas clássicas, que só pessoas desse ramo conseguem passar horas e horas escutando, veio desde quando era ainda bebê. Seus pais descobriram que a menina mais chorona do bairro só aquietava quando os acordes daquelas músicas penetravam os seus ouvidos.

O tempo passou, a menina cresceu e a adolescência mostrou àquela garota que a vida poderia conceder prazeres variados. A dança sempre foi o seu objetivo e prazer único. Seus conceitos começaram a ser divergidos quando conheceu Mário. O garoto era a única pessoa que conseguia tirar a atenção de Eli, como era carinhosamente chamada por todos que a conheciam, do mundo da dança. Os dois haviam sido apresentados pela vida anos atrás e tinham uma relação extremamente prazerosa, apesar das diferenças em suas personalidades. Mário e Eli tornaram-se amigos através da escola de música que ambos frequentavam. Ela já frequentava o lugar desde pequena. Ele, por sua vez, começara a ter aulas de violão há apenas alguns anos, pois achava que a conquista dos corações das meninas iria tornar-se mais fácil se soubesse seduzi-las tocando alguns acordes daquele instrumento encantador. No pensamento dele, as cantadas seriam, literalmente, cantadas.

Mário era um ano mais velho que Eli. Sempre foi preso à realidade e os sonhos não faziam parte de sua rotina. Essa era a característica mais marcante na personalidade dele. Um jovem que nunca levara a vida tão a sério, mas que sempre buscara o que queria, mesmo que de maneiras nem tão confiáveis. Os olhares dos dois cruzaram-se pela primeira vez em uma peça apresentada na escola, onde ele tocaria algumas músicas para embalar os belos passos da garota apaixonante que era o futuro daquela companhia. O amor à primeira vista não existiu, mas nenhum dos dois estavam apressados para encontrar o amor, apesar de o desejo ser vivo no corpo de Mário desde a primeira vez que avistara o corpo da bela dançarina. Eli, por sua vez, não demonstrou aberturas para o nascimento daquele sentimento. Suas defesas foram caindo, pouco a pouco, e a resistência que teve ao primeiro toque dos lábios dele parecia desaparecer progressivamente a cada momento em que sorriam juntos. O amor começara a ser presença constante em seu coração e pensamentos quando o desejo físico de ambos entrou em sintonia. Os beijos tornaram-se habituais e o sentimento esteve presente em cada toque das mãos. Os lábios não conseguiam mais viver soltos. O desejo encaminhou os dois à indomável paixão. O fogo foi culminante e incendiou o coração e os corpos dos dois. Resolveram, juntos, que era o momento certo para terem a primeira vez, após alguns meses. Não conseguiriam adiar aquele abraço de corpos por muito tempo. O sentimento recíproco tornou-se visível a cada contato entre os dois apaixonados.

Mário ficaria marcado eternamente na memória da pequena bailarina. Havia sido o primeiro homem da sua breve vida, e se dependesse dela, seria o último.

A Última DançaOpowieści tętniące życiem. Odkryj je teraz