Vera Acácio

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Se pudesse, Sara Barros evitaria aquele ritual. As luzes e paredes eram brancas demais. As expressões dos funcionários eram tão congeladas quando as frases ensaiadas, estava tudo bem, sempre estava tudo bem. Uma completa falta de mudanças nos rostos – esperança fingida por vergonha da resignação -, os mesmos presentes sendo entregues para exames frios em que perderiam tudo o que traziam de pessoal, perdendo toda a utilidade e o porquê. Até os novatos eram sempre iguais: olhos inchados e mãos geladas, tentando puxar assunto enquanto se enganavam repetindo mentalmente que o número de viagens que fariam até ali seria muito menor que os dos outros. Tinha que ser. Na primeira vez em que colocou os pés no Vera Acácio, Sara estava completamente convencida que seria a única. Ainda tinha essa esperança na segunda, terceira, quarta, quinta. Agora, dois anos depois, tinha decidido aceitar o fardo e parar de esperar por uma libertação.

A enfermeira de cabelos vermelhos, Luana, que sempre tinha um acessório divertido na roupa, um sorriso pronto no rosto e era a primeira opção na hora de confortar parentes desesperados, a chamou.

— Eu estava querendo falar com você mesmo. Tudo bem com a sua mãe?

Sara não entendeu a pergunta. Não era como se ela tivesse o costume de conversar sobre sua vida ou a vida de seus pais com os funcionários do Vera Acácio.

— Como?

— Sua mãe. Ela não veio aqui nessa quinta, nem na anterior... acho que nem na outra... aconteceu alguma coisa?

Não veio? O combinado era o pai ir na terça, a mãe vir na quinta e ela, Sara, no sábado. O revezamento estava funcionando muito bem até agora, eventualmente, quando alguém não podia, telefonava para trocar os dias. Mas a mãe não tinha telefonado ou mandado mensagem. Não vinha há três semanas? Será possível algo assim?

— Tem certeza? Meu pai não veio no lugar dela?

— Não — respondeu Luana. — Ninguém apareceu, por isso estou perguntando.

— Eu não estou sabendo. Ela não me disse nada...

— Bom, deve ser algum mal entendido. Nada grave.

Sara sorriu depois da afirmação de Luana, concordando, mas não estava convencida. Queria telefonar agora para a sua mãe e perguntar o porquê dela não estar fazendo o combinado, não ter ligado antes, pelo menos, e avisado. Mas não pôde, porque estava bem na frente do quarto 42, número cortado numa chapa de metal que ela já estava acostumada a ver e, mesmo assim, nunca se tornava familiar. Respirou fundo, naquele conhecido ritual em que deixava seus problemas saírem de seu corpo junto com o ar. Eles não tinham lugar dentro dela a partir do momento em passasse pela porta.

— Ela estava agitada de manhã, mas no almoço parecia melhor — disse Luana, ao abrir a porta.

Não tinha sido fácil, para Sara, colocar sua irmã mais nova num hospital psiquiátrico. Na verdade, tinha sido a decisão mais difícil que tivera de tomar em sua vida. Todos os dias, se pegava pensando em como foi egoísta e como, se fosse uma pessoa melhor, poderia ter se esforçado um pouco mais para mantê-la em sua casa. Mas, ali, Violeta estava sendo cuidada por gente que entendia do assunto, tinha vigilância vinte e quatro horas por dia, não poderia se machucar ou fazer qualquer besteira, os medicamentos eram controlados direito e eles não estavam a abandonando, iam visitar o máximo que podiam. Quer dizer, pelo menos era isso que ela achava até agora.

Violeta estava sentada na cama lendo uma revista em quadrinhos. A camiseta verde de dormir amassada e a calça branca descobrindo os tornozelos, cabelos oleosos e pé direito inquieto balançando no ar.

Vera AcácioWhere stories live. Discover now