29 A Flor Vermelha

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Joseline contemplou seu reflexo no  espelho de moldura veneziana dourada. Via uma moça de olhar perdido e vago, uma coisa sem vida, um objeto inanimado.

Tentou sorrir. Gostou menos ainda do que viu, pois seus dentes agora pareciam desarmônicos. Duas semanas antes, num ataque de ciúmes violento, Afonso lhe arrancara, com um soco, o seu incisivo superior lateral. Preocupado e supostamente '' arrependido'', ele a levara à um dentista, que recolara outro dente no lugar, muito mais branco do que os seus originais. Ela acreditou que nem sempre o dinheiro pode te dar as melhores coisas, pois Afonso pagara caríssimo pelo pequeno procedimento, e, na opinião dela, o resultado fora muito ruim.

Joseline voltou a fechar a boca. Não tinha mesmo motivos para sorrir.

Afonso entrou no quarto e parou, admirando-a. 

- Você é a mulher mais linda do mundo! Esse vestido ficou perfeito em você.

Ela estava vestida com a última novidade das lojas Moreau: um vestido branco longo, de alças finas e drapeados no busto. Joseline detestara o vestido, mas Afonso insistira que ela devia usar algo branco, para representar o algodão, já que estavam comemorando dois anos de casados, ou  bodas de algodão.

Ela jamais o diria o quão patético era tudo aquilo, principalmente aquela festa que estava prestes a começar, mas sua expressão era mais do que suficiente para o marido saber que ela não estava exatamente animada com a comemoração.

Afonso decidira dar uma festa diferente das que vinham oferecendo até então. Normalmente, suas festividades eram discretas e com pouquíssimos convidados, porém, desta vez, o empresário optou por abrir os portões da propriedade, e deixar que as pessoas participassem.

A música, o cheiro da comida e toda a movimentação, de fato atraíram alguns curiosos, que se aproximavam para conferir o que acontecia na casa do todo poderoso dono das lojas Moreau.

- Vamos descer, minha rainha? - Afonso deu-lhe a mão, para que descessem a escada. Ela pôs sua mão sobre a dele, num sorriso de boca fechada.

Lá embaixo, os rostos cheios de expectativas dos convidados, na enorme sala do primeiro andar.

É claro que haviam os buchichos. Durante aqueles dois anos, Joseline ainda ouvia aqui e ali os comentários que faziam a seu respeito. Sobre o quanto sua família era pobre e como ela tivera sorte por um ricaço como Afonso Moreau ter se interessado por ela a ponto de se casar.

Para alguns, ela era uma sortuda. Para muitos, uma interesseira. Ninguém, jamais, no entanto, comentava sobre ele ser um homem rude, violento e agressivo. A cidade inteira parecia ter uma venda sobre os olhos, pois não enxergavam a verdadeira face de Afonso, apenas sua riqueza e benevolência para com os menos favorecidos, pois sim, vários cheques seus eram destinados a ações de caridade.

Quanto a isso, Joseline se resignava e concordava: se não fosse por Afonso, seu irmão Pedrinho talvez não tivesse sobrevivido.

Ela suspirou, triste. Era mais uma comemoração em que nenhum membro de sua família estaria presente, com exceção da avó.

Ao terminarem de descer a escada, Joseline teve de deixar seus pensamentos de lado, pois foi cercada pelas pessoas que queriam parabenizá-la pelos dois anos de casada.





🌻

- Perece até que vocês estão se casando novamente - comentou dona Zélia para a neta, sorrindo e apontando para Afonso, que estava ali por perto, recebendo cumprimentos.

Estavam no jardim do lado direito, próximo à fonte. Ela teve que admitir para si mesma que a reunião estava agradável. As pessoas circulavam pelos jardins e dentro da casa, comendo, bebendo e conversando amenidades, tudo muito bem vigiado pelos seguranças particulares de Afonso, que, para não causar temor no povo, estavam à paisana.

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⏰ Last updated: Feb 29 ⏰

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