PARTE II

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"O que você fez?" "Como você pôde fazer isso com ele?" "Quem você pensa que é?" "Você sujou o nome da nossa família!" "Você nunca mais vai encontrar alguém como ele." "Volte agora para o altar e diga que estava tendo um surto, ele irá te perdoar."

Essas são apenas algumas das frases positivas e encorajadoras que foram ditas para mim. Todas são da minha família. Ninguém me perguntou como eu estava, se havia algum motivo em específico, se eu estava precisando de algo. Ninguém ficou do meu lado e como num passe de mágicas eu virei a vilã da minha própria história.

É engraçado porque essa foi uma das atitudes mais difíceis que já tive que tomar e ela foi tomada sozinha. Não pedi opiniões de terceiros e nem deixei que aquela pessoa que controla o jogo decidisse por mim. Provavelmente eu causei uma falha na Matrix e infelizmente não sei o que fazer, como consertar ou se há algo para consertar.

– Você está bem? – Julia, uma prima de segundo grau que quase não tenho contato, pergunta.

– Sim! – respondo sem pensar – Não sei bem se é algo que vou me arrepender no futuro, mas nesse momento é exatamente o que eu quero e nem me lembro se algum dia fiz algo que apenas eu queria.

– Então isso é o que importa! – ela diz, ainda em pé de frente para mim no espaço onde seria a minha festa de casamento – Sei que muitas pessoas irão te julgar nesse momento, mas a verdade é que a maioria delas queria ter a mesma coragem que você. Pra te falar a verdade até eu queria. É clichê dizer que a vida é muito curta, mas infelizmente é verdade. Você como médica deve saber disso. Se não fizermos o que queremos agora, não iremos fazer nunca mais.

– Obrigada pelas palavras! Você foi a primeira a não jogar pedras em mim. – digo sincera e a observo sorrir.

Julia me abraça apertado por alguns segundos e então se retira do local, me deixando sozinha com meus pensamentos. Realmente a vida é muito curta. No meu trabalho mesmo vejo jovens morrerem quase todos os dias, seja por algum acidente, por crime ou por doenças, sempre tem ao menos um. Até mesmo crianças não escapam.

Pensando na minha vida atualmente, a única decisão que não me arrependo de ter deixado tomarem por mim foi a escolha da minha profissão, porque no fim acabei gostando mais do que devia de medicina, não é à toa que tenho passado grande parte do meu tempo – ou quase todo o tempo – me dedicando a tal. A verdade é que com essa profissão consegui aprender coisas que certamente não aprenderia em outras como, por exemplo, quão natural a morte é e, ainda assim, como ela consegue ser dolorida para todo o tipo de pessoa.

E se a vida realmente é curta, eu devo começa-la a aproveitar o quanto antes. Afinal, já tenho 25 anos e a qualquer momento pode ser o meu fim. Eu claramente poderia me dedicar a buscar o perdão da minha família e tentar reconquistar Dylan, mas isso não seria aproveitar a vida. Ao menos não a que eu realmente quero.

E que vida é essa que eu tanto desejo? Não consigo responder essa pergunta agora, mas consigo pensar numa série de coisas que desejo fazer como, por exemplo, viajar pelo mundo e conhecer culturas diferentes, pessoas diferentes, quem sabe até viver um amor de verão. Apesar de amar minha profissão, eu quero poder descansar e não me preocupar por um tempo com trocas de plantões. E mesmo que talvez não faça diferença no meu currículo, pois já sei falar espanhol e francês, eu quero viajar para algum país nórdico e aprender sua língua natal.

Eu quero poder ir a boate e esquecer da hora de ir embora. Eu quero pagar algum mico que será lembrado por anos. Eu quero beber até passar mal, experimentar algo duvidoso e beijar estranhos – e mulheres. Eu quero viver tudo aquilo que eu não consegui viver na adolescência ou na faculdade e não quero mais ter essa sensação horrível de que estou num jogo estúpido de videogame. Eu quero ser dona de mim e quero ter laços sinceros com pessoas verdadeiras.

×××

Algumas semanas se passaram desde que tomei àquela decisão. Apesar de tudo, meus pais voltaram a falar comigo e já não tocam mais no assunto. Meu pai alega ter sido uma boa decisão para que eu pudesse focar na minha carreira; já a minha mãe alega que esse não era o homem que Deus queria para mim e que foi Ele que me tocou para tomar tal decisão. Talvez eu tenha me esquecido de contar quão religiosa minha mãe é. Enfim, o restante da família tem me ignorado, mas juram que não é isso e que apenas estão ocupados – é claro que essa ocupação acaba quando precisam de algo.

No serviço e na faculdade tudo continua igual. A notícia boa é que consegui convencer meu chefe a me dar férias no mesmo período da faculdade. Não desisti das ideias loucas que tive naquele dia e terei cerca de um mês para colocar algumas em prática. Com isso, comprei uma passagem de ida para a Suécia, partirei em menos de um mês. Enquanto isso, estou vivendo em um apartamento bem mais simples e próximo da minha faculdade. Saí da Upper East Side já que aquele lugar claramente não combina comigo e, além disso, o apartamento estava no nome do Dylan.

Por muitos dias pensei em como seria se apenas eu tomasse minhas decisões. Por muitas noites chorei de desespero. Tentei achar culpados para que eu seja assim e quando finalmente o encontrei, me assustei. A verdade é que eu sou a culpada e, mesmo descobrindo isso, eu ainda não sabia como mudar, como agir diferente, como ser alguém mais feliz e seguro de si. Então, depois de conversar com alguns colegas de serviço, iniciei o processo de psicoterapia e tenho aprendido cada vez mais sobre mim.

Esse processo tem me ajudado mais do que eu poderia desejar e confesso que eu queria ter o descoberto antes. Porém, assim como minha mãe, acredito que tudo acontece no tempo certo e esse era o meu. A realidade é que eu não saberia lidar com tudo que tenho aprendido no passado, seja por imaturidade ou pelo simples fato de que a pessoa que me controlava não iria aceitar essa decisão.

De qualquer forma, tenho me conhecido mais. Meus limites, medos, desejos, entre tantas outras coisas que eu nem sequer sei nominar. Tenho aprendido a dizer não seja lá para quem for e sim para mim mesma. Tenho descoberto coisas tão incríveis sobre pessoas ao meu redor que eu nunca nem sequer tinha notado e elas tem me ajudado a descobrir quão gostosa a vida pode ser quando se tem as pessoas certas ao seu lado. As experiências incríveis – desde as idas ao barzinho pós-expediente a micos memoráveis em encontros – que tenho vivido ao lado dessas pessoas serão lembradas por muitos anos.

Tenho descoberto que tudo o que eu precisava durante todo esse tempo que deixei terceiros controlar minha vida, definir quem eu sou, dentre tantas outras coisas, era a mim mesma. Na verdade, a minha maior conquista durante esse processo foi me conhecer cada dia mais e descobrir que, acima de tudo, eu ainda me tenho e no fim é isso que importa.



Obrigada a todos que leram!

Aviso para o concurso: Esta parte tem 1238 palavras.

Ainda me tenhoWhere stories live. Discover now