Ninguém é dono de um gato, mas, podemos conceder nossa companhia

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Tonto de beber e comer, Graciliano deitara para desmaiar.

Ao acordar, mergulhado em ressaca e perdido o senso de tempo, teve a grata surpresa de ver o gato andando pelo chão, ao redor da cama. O bichano parou de andar ao perceber que acordara e de um pulo, subiu no leito. Aos pés dele disse:

“Morto! A idéia de que estivesse morto. Para entender seu silêncio apesar de minhas lambidas, meus miados, quase gritos, há mais de hora.” Ronronou o gato mal humorado, coçando com a pata traseira uma orelha. “Ressuscite, meu amigo, a tigela está vazia.” Ordenou e informou o bicho.

Graciliano levantou com esforço, e o felino, trêfego atravessando entre os pés, acompanhou-lhe o andar arrastado até a cozinha; ao chegar, retirou o pacote escondido nalgum rincão da estante; enquanto o abria e servia a vasilha, sob o olhar algo impaciente do gato, este quis saber: “Que foi aquilo lá fora? As folhas murchando, o chão coberto delas”

“E ali ficarão até o vento as levar e espalhar pela maldita vizinhança!” Disse Graciliano num tom de ingênua vingança que o amigo não captou.

“Gostava como era antes. Fazia sombra no calor. Podia me refugiar nela, escondido entre seus ramos e tentar pegar pássaros. Coisa que deixei de tentar faz tempo. Era mesmo quase impossível. Mas, agora, sem planta, é um descampado inquietante até para mim. Ao menos até entrar aqui, onde nada temo.”

Graciliano sentiu renascer o amor-próprio pela confiança nele depositada e quis lhe agradecer, porém, a emoção lhe fez tossir, ao invés de dizer: “Que bom saber disso, meu amigo.”

“Não me agradeça”, disse o siamês, para surpresa do velhote. E mais não disse, o bichano se acocorou à beira da vasilha a iniciou o abocanhar.

Graciliano preparou café e enquanto bebia, observava satisfeito o amigo se alimentar. Apertara o parco orçamento, sacrificara uns quitutes mas conseguira uma boa dose de ração. Teriam uma semana garantida, sorriu satisfeito e orgulhoso.

Ao terminar de beber o café e comer o pão, suspirou, engolindo o nó da garganta, levantou e disse:

“Concordo com quem acha que existem duas maneiras de nos refugiarmos das misérias da vida: música e gatos.” E dando uma alegre pirueta, dirigiu-se à sala, escolheu um disco e logo a música ressoou no ambiente.

Pouco depois, o gato chegava à sala, lânguido de satisfação; pulou no colo, deu umas voltas sobre si mesmo até encontrar a posição certa, acomodando-se, ficou quieto, atento à música e à voz grave do homem que cantarolava enquanto, distraidamente, lhe acariciava o lombo. Ao finalizar a canção, disse o gato: “O som de sua voz, que estranhamente entendo, vibra sob minhas patas e minha barriga. E isso me conforta, amigo.”

Graciliano regozijou-se e, segurando as orelhas peludas, disse: “Só a minha voz? E a dona que te criou?” O animal sacudiu a cabeça e ele largou as orelhas.

“Dona? Ninguém pode ser dona de um gato, mas, podemos conceder nossa companhia. Entretanto, o único que entendo da voz de quem se diz minha dona é quando grita: ‘Esse gato é meu!’ ‘Sai daí pulguento!’ ‘Tá com fome?’ e o pior deles ‘Vem cá, no colinho da mamãe’”

“Ela diz outra coisa? Um nome?” ia perguntar Graciliano, aflito para acalmar sua curiosidade infantil de lhe conhecer o apelido. Mas o peludo continuou a ronronar e miar, “Não consigo me comunicar com a dona com a mesma naturalidade com você. Serei eu uma invenção sua? Se for, não gostaria de saber. Me poupe de mais um enigma. De todo modo, aprendo muito falando com você. Por exemplo, como se diz para se referir a esse bicho andando na sua perna?”

BARATA! – gritou Graciliano dando um pulo que fez o gato pular para longe e, sacudindo a perna, enojado, fez o inseto se desprender e cair no chão, para depois pisar nele, esmagando-o; imediatamente recolheu-o com uma folha de papel e, no banheiro, jogo-o na privada. Ao voltar, olhou de esguelha para o bichano e cobrou: “Os gatos não deveriam perseguir, caçar e matar esses bichos?”

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⏰ Última atualização: Oct 03, 2014 ⏰

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