Tremeram os lábios pálidos de Graciliano no desesperado esforço para fingir sorriso e despistar interesse e intenção ao perguntar num suspiro: “Quanto é que tu deve pro homem?” Perguntou ao homem do bafo que apertava a jaula entre seus pés, onde o Gato-do-vizinho se mantinha encolhido, com o terror gritando em seus olhos, fincados nos de Graciliano. O aludido não lhe deu muita atenção, encolheu de ombros, sem parecer ter entendido.
“O homem aí, ta falando com’cê, Lenilson.” disse um outro, cutucando-o.
“Como é que é?” Perguntou o tal Lenilson, debochando e provocando risadinhas nos amigos, com sua resposta inconseqüente.
Graciliano tossiu, limpando a garganta de ansiedade e tentou interpretar alguma indiferença, ao repetir: “Você disse que ta devendo uma grana pro cara. Quanto?”
“E eu que sei?” respondeu o ocasional caçador de gato, satisfeito por divertir os colegas.
“Fala direito pro senhor, Lenilson.” Repreendeu um deles, como se estivesse se dirigindo a uma criança.
“É que não sei mesmo, cara.” Disse, folgazão, com o raciocínio retardado também pelo álcool.
Os olhos do gato e os de Graciliano se cruzaram novamente quando ele perguntou:
“Você não disse que vai trocar a divida pelo gato? Então, como sabe se vai topar a troca?”
“Ele não vive dizendo que qué limpá a área de gatos? Tonce. Vamo negociá o bicho, ué!” ponderou com dificuldade o homem, deleitando os colegas com sua expertise pueril e aumentando o fluxo dos vasos sanguíneos de Graciliano, que lhe coraram as bochechas.
“Assim que o homi abri o boteco, vamo fazê negócio. Lógico que vai topá.”
Graciliano tirou do bolso uma nota e mostrou-a ao homem.
“Mais que isso?” ofereceu.
Lenilson olhou a nota, olhou o gato, olhou os colegas que se divertiam com a expectativa criada pela oferta e disse.
“Sei lá. Já falei que vo negociá com o cara.”
“Peg’ai Lenilson!” Provocou um deles.
“Melhó um gato na mão que um gato pra negociá!” Parafraseou, galhofeiro, um outro.
“Pega aí”, ordenou Graciliano. O homem olhou a nota em dúvida, Graciliano aproveitou a hesitação e enfiou a nota no bolso da camisa do tal Lenilson, abaixou-se e pegou a jaula; de imediato virou-se e galgou as escadas, de volta à casa.
“Ei! Peraí, velho!” Gritou o surpreendido caçador de gatos, em meio às gargalhadas dos colegas.
Graciliano pulava cada degrau com a gaiola apertada contra o peito e, dentro dela, chacoalhando, o siamês se segurava, cravando as unhas nas grades.
“Peraí, cara!” Gritou mais uma vez o Lenilson no pé da longa escada, com a voz enrolada e abafada pelas risadas dos outros.
Graciliano chegou à porta da cozinha e arfando de taquicardia, apoiou-se na porta, sem largar a gaiola, recuperando o ar que deixara no caminho. Ainda podia-se ouvir a voz do homem ao longe e o eco zombeteiro das risadas.
“Horror” ronronou o gato, lambendo uma pata ferida.
“Ta machucado?” quis saber o homem, tentando abrir a porta rapidamente.
“Melhor entrar, amigo. Aqueles bípedes podem estar vindo para me pegar. E aí sim, podem me machucar mais. Nos machucar, pode ser.”
“Sim. Vamos entrar e trancar a porta.” Foi o que Graciliano fez. Com trava e chave, e logo desfez a trança de arame que segurava a porta enferrujada da pequena prisão. Mas o tamanho do gato, impedia a saída pela abertura.