Capítulo 1

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Vou contar-lhes a história de quando conheci um homenzinho muito interessante. Ele tinha algo que o diferenciava de todos os outros. Não gosto de mencionar como um problema, e sim uma individualidade. Shaun Murphy certamente tinha algo de especial, era único.

Ele se descrevia com um distúrbio, porque para ele, é algo normal e nasceu assim. Eu o descrevo não com um distúrbio, mas com uma diferenciação, como dito antes, algo único. Ele era autista, e quando eu o conheci estava começando sua grandiosa carreira na medicina.

Éramos vizinhos de apartamento e nos esbarrávamos frequentemente nos corredores. Gostaria de ter uma emocionante história sobre como nos conhecemos, mas para falar a verdade foi bem simples: No elevador do quarto andar.

— Você tem um cheiro bom. — Ele observou inicialmente.

Parei de fazer meus pulinhos no elevador. Estava me aquecendo, pois dali iria para a academia passar a tarde. Com um sorriso curioso, me virei para ele, que encarava as portas fechadas do elevador.

— Obrigada. — Fez-se então uma pausa entre um andar e outro, até que resolvi continuar: — Eu sou a Lea — Estendi a mão de modo desajeitado — Sou sua vizinha, do 34. E você é...?

Ele olhou para mim (finalmente) e fez um gesto com a cabeça. Pude assim encarar seus gentis olhos verdes pela primeira vez. Entendi seu gesto como um aceno então recolhi a mão, reconhecendo que ele não me cumprimentaria assim.

— Sou... Shaun. Shaun Murphy, prazer.

Ele se apresentou juntamente com seu aceno. Minha boca se abriu mas antes que eu pudesse dizer alguma coisa, o elevador se abriu. O curioso homem saiu em disparada, mas ainda mantendo sua postura ereta.

— Tenha um bom dia! — gritei antes dele sumir totalmente da minha visão.

Estava tão distraída que quase não saí do elevador a tempo dele se locomover para outro andar. Sorri comigo mesma e continuei meu caminho até meu objetivo inicial.

É, eu disse que não havia sido emocionante. Eu só fui vê-lo de novo dias depois, em um dia de chuva em que eu me decidia se ia ou não ao trabalho. Era uma dúvida boba, mas aconteceu aqueles típicos dias em que quando se sai de casa, está chuviscando, e no meu caso quando cheguei ao estacionamento, uma trovoada se estendeu por todo o local.

O teto tinha goteiras, então me enfiei no meu carro já que não estava atrasada. Fiquei escutando a rádio por aproximadamente cinco minutos para ver se a chuva diminuía ou se eu deveria voltar para casa. Porque convenhamos: Ainda dava tempo.

Abaixei o vidro com a música ainda tocando ao fundo. A chuva ainda estava forte, mas no meio de tanta água, vi aquele mesmo rapaz correndo com a típica mochila nas costas. Parecia que ele ia sair do estacionamento, mas naquele estado...

— Ei! Shaun! — gritei, já me preparando para sair do carro — Shaun, vem cá!

Ele diminuía os passos até parar totalmente, recuperando o fôlego e a postura. Saí do carro e me encostei nele enquanto o rapaz se aproximava com passos rápidos.

— Desculpa Lea, agora não dá. Eu estou atrasado.

Ele juntou as mãos em frente à barriga, costume esse que seria repetido várias e várias vezes ao longo do tempo.

— Aonde está indo? — Ele parecia nervoso, mas já estava praticamente encharcado por andar tanto.

— Ao hospital. Eu sou residente de cirurgia.

— Uau, que incrível. Você... não quer uma carona?

Ele começou a ajeitar o cabelo úmido, e parecia mais calmo agora. Olhou para o relógio e ficou parado por um tempo sem dizer nada. Eu apenas o observei ali, esperando sua resposta. Chamei uma, duas vezes até que ele volta sua atenção a mim.

— Não precisa. Obrigado.

— Ah, vamos. Está caindo o mundo lá fora, você vai se molhar todo no caminho.

— Caindo o mundo? — Ele fez uma careta confusa, mas logo desapareceu e ele se aproximou ainda mais — Está bem, mas eu preciso que por favor seja rápida.

Assenti e ele contornou o carro para entrar. Desliguei totalmente a música depois de sentir novamente uma agitação no rapaz. É, parece que ainda havia muita coisa na qual eu não sabia sobre ele.

— Certo, você trabalha em um hospital não é? Qual a parte mais legal em ser médico? — Tentei puxar assunto enquanto ligava o carro.

Mas naquela hora ele parecia distraído observando a janela. Parecia estar analisando a chuva, algo que eu tinha achado muito interessante, mas que sinceramente não compreendi. Por conta disso ele novamente deixou minha pergunta sem resposta.

— Shaun — Ele se virou para mim — Está tudo bem? Tem alguma coisa errada?

— Não — Ele ponderou por algum tempo — Não há nada errado, podemos ir.

— Tudo bem.

O resto do caminho foi silencioso. O único som existente eram as gotas de chuva contra o vidro, batendo de modo forte e deixando a visão do carro embaçada. Questionei sobre a localização do hospital em que trabalhava e assim ele conseguiu me esclarecer os detalhes. Minutos depois, estávamos na frente do hospital de San Jose.

— Certeza que quer trabalhar hoje? — pergunto, quando ele já arrumava sua mochila nas costas.

— Sim, é necessário.

— Tudo bem. Você quer que eu te busque no fim do dia?

Ele me encarou por um momento e eu não entendi o motivo. Estávamos em época de chuva, então o clima iria permanecer daquele jeito pelo resto da semana. O que significa que quando ele saísse do hospital, a chuva continuaria.

— Você não tem que trabalhar?

— Eu termino antes de você sair. Não se preocupe, vamos para o mesmo lugar no final. Além de que é caminho, então poupa seu tempo indo para casa sozinho.

— Eu não preciso de motorista. — Ele parecia nervoso.

— Calma, eu não sou sua motorista. É só hoje está bem? Amanhã você vai sozinho de novo se quiser.

Ele ponderou por algum tempo antes de responder:

— Não tenho plantão hoje. Se pudesse por favor aparecer às 19h em ponto eu agradeceria.

— Combinado, estarei aqui. Tenha um bom dia de trabalho, até mais tarde Shaun! — exclamei já quando ele se preparava para sair.

Continua...

Meu Extraordinário DoutorWhere stories live. Discover now