Capítulo 3

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Diana está correndo de um lado para outro, com uma colher de pau numa das mãos e um escorredor de macarrão na outra. Está mergulhada em seu habitat natural, fora do mundo (pelo menos, do meu mundo) e feliz, apesar do semblante compenetrado, dos cabelos castanhos escuros soltando-se da toca e das mãos agitadas. Diana está fazendo o que ama: cozinhando.

Ainda me lembro da primeira vez em que ouvi mamãe dizer que Diana havia herdado os dotes culinários de vovó Luíza. Na época, eu tinha seis, sete anos. Eu não entendia direito o que significava “dotes”. Era como Samanta: perguntava a todo o momento o que queria dizer isso ou aquilo. Mamãe apenas respondia: “Olha para Diana”. Eu ficava um pouco brava. O que queria saber era qual o significado daquela palavra difícil e não olhar para ver o que minha irmã estava fazendo. Mesmo assim, eu olhava. Então, via Diana, como agora, entregue à cozinha, esta mesma cozinha em que estou sentada, vinte anos depois. As comidas pareciam tão fáceis de preparar nas mãos de Diana. Os ingredientes pareciam pós mágicos, como nas histórias infantis, que bruxas despejam em caldeirões para fazer as poções. Minha irmã colocava uma pitada aqui, outra li. No final, surgia uma refeição cheirosa ao extremo e com aparência maravilhosa. Era assim que eu entendia a palavra “misteriosa” que mamãe falara mais cedo. Diana nasceu para fazer magia na cozinha. Assim como eu nasci para mudar de profissão de tempos em tempos.

Não. Não sentia inveja de Diana. Nem agora sinto. Sempre senti orgulho da minha irmã. Orgulho por ela ser uma dessas raras pessoas que, ainda pequena, têm certeza do que vão ser quando crescer. E que fique claro: profissionalmente. Diana foi uma pessoa focada em seus objetivos desde a adolescência. Traçou as metas de se aprimorar nas artes culinárias por meio da faculdade de gastronomia, em seguida, fazer cursos de organização de buffets e, então, abrir um buffet para ela administrar. Aos 30 anos, todos seus sonhos foram realizados. Ainda que o maior sonho, ela me confessou numa tarde chuvosa de inverno, que a acompanhava desde menina, tenha sido ser mãe. Mas até mesmo esse, com seu jeito obstinado, após um tipo de luta que teria feito desistir a maioria das pessoas, Diana acabou por realizar com a chegada da nossa Sassa.

Hoje, Diana tem um buffet infantil com uma sócia, a Cássia. As duas são amigas da época do ensino médio. Cássia trouxe o talento por decoração. Minha irmã, a arte de criar as companhias deliciosas para os ambientes lindamente decorados. Agora só falta adquirir um imóvel para montarem oficialmente a casa de festas “Magia das Crianças”. Diana fica um pouco nervosa por ainda não ter um cantinho só dela para montar as festas. Mas sei que é questão de tempo para ela consegui-lo. Como diria vovó Luíza, “Diana é turrona”. Quando percebe que o objetivo está longe de ser alcançado, ela estica a perna um pouco mais, depois mais um pouco, então o prende no laço.

Eu já sou o oposto. Se o objetivo se torna distante demais para ser alcançado, eu prefiro mirar naqueles que estão ao alcance das minhas mãos. No final, algum deles há de me dar a mesma realização pessoal que prometia o que correu de mim. O único problema é que até o momento nenhum deu. E nem tenho mais nenhum objetivo longínquo para perseguir.

            — É a minha irmã Elise mesmo quem está aqui nesta cozinha me olhando preparar o jantar? Calada há mais de meia hora? Está com febre por causa do encontro com o Roberto? — Coloca as costas da mão na minha testa.

            — Ai, Di, sua mão está molhada! — Empurro o braço dela. — Estava pensando no seu dom para cozinhar. A gente tem sorte em ter você para fazer sempre um prato mais delicioso do que o outro.

            — A gente tem sorte de você não cozinhar, isso, sim. Outro dia você conseguiu queimar o ovo que pôs para ferver!

            — Eu não nasci com seus talentos pra cozinha. Eu DETESTO cozinhar.

O Par Perfeito (DEGUSTAÇÃO)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora