Capítulo 2

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Ninguém me mandava ficar quieta daquela maneira.

Mas ele conseguiu...Como?!

 

            Primeiro dia de aula. Estava muito nervosa. Esperei tanto por isso e finalmente estava acontecendo. Coloquei minha calça jeans favorita, blusa vermelha e uma sandália da mesma cor.  A maquiagem preta ao redor dos olhos não poderia faltar e, os cabelos, como sempre, muito bem penteados.

Apressei meus passos, sendo a primeira a sair do apartamento. Queria chegar mais cedo na faculdade pra conhecer um pouco o lugar. Raquelli ficou em casa, suas aulas começariam só na próxima semana.

Em quinze minutos cheguei a um grande portão que já estava aberto. A faculdade! Fui andando, observando os vários prédios que havia naquele lugar. Com indicações de algumas placas, cheguei ao lado da secretaria, onde havia um mapa das salas, o que me ajudou e muito a achar a minha, que ficava no prédio ao lado da quadra de esporte.

Fui direto pra lá, sem conversar ou tentar fazer amizade com ninguém. Meu foco era estudar, apenas isso! Aos poucos, os alunos foram chegando e seguindo para suas respectivas salas.

O sinal tocou! Já estava no meu lugar, pertinho da porta. Não havia muita gente no meu curso, pelo que pude perceber, eram em torno de vinte alunos.

Sofia era o nome da nossa professora e coordenadora do curso. Fez a chamada e logo cada um se apresentou. Eu, claro, não contei muita coisa, fui direto ao ponto e apenas disse o porquê de querer estudar Musicoterapia. Resumi, dizendo que amava as duas coisas, música e psicologia.

O povo não pareceu notar a minha dificuldade em contar isso. Ainda bem! Enfim, depois do intervalo, todos do nosso prédio se reuniram na quadra de esporte. Fiquei surpresa com aquilo. Eram muitos alunos, talvez uns duzentos, e isso porque eram apenas os calouros.

— Muito bem. Façam silêncio! — Um homem alto e careca, o qual aparentava uns quarenta anos, subiu numa cadeira.

Todos silenciaram enquanto o esperavam continuar.

 — Bom dia, meu nome é Fernando, sou coordenador do curso de Educação Física. A partir de hoje começaremos o trote solidário. Vou explicar como funciona: durante os quatro anos do curso de vocês, haverão provas que cada equipe terá que realizar para conseguir pontos, e, no final, a equipe com mais pontos ganhará quatro dias num hotel fazenda.

Os alunos aplaudiram e assobiaram. Assim como eu, gostaram muito da ideia, mas quem não gostaria? E ainda de graça? Bom, para mim, dinheiro não é problema, mas é melhor não falarmos sobre isso.

— Agora vou fazer o sorteio das salas que se juntarão pra participar do trote solidário — explicou Fernando, e depois tirou alguns papéis que estavam dentro de um vidro.

Ao todo deram cinco equipes. Foi distribuída uma folha com as regras e as provas para cada um. Minha equipe se reuniu num canto atrás do nosso prédio. Fiquei feliz em saber que o pessoal do curso de Educação Física estaria conosco. Na minha sala havia somente dois garotos, já na outra estava meio que dividido, homens e mulheres.

— Então, gente. Meu nome é Alisson. Pelo que diz na folha, teremos que escolher um nome pra nossa equipe e dois líderes, um de cada sala — disse ele, tomando a frente, como se entendesse do assunto.

Como suspeitava, ele foi o líder da sua turma, e adivinha quem foi o líder da minha? Devido ao grande número de concorrentes e um silêncio que me deixou zangada pela falta de atitude dos meus colegas, por minha própria escolha, fui a ganhadora!

E o nome da equipe? ATITUDE!

Tive que me segurar pra não rir da escolha do nome, pois atitude era algo que minha sala não tinha.

            — Então, Amanda. De onde você é? — perguntou Suelen, minha colega de quarto, enquanto jantávamos. Parei de mastigar e olhei assustada para minha prima. Não sabia o que responder. Houve um silêncio muito chato enquanto pensava em algo para falar.

Sei que foi exagerado, mas foi um ato impensado. Acho que estou um pouco traumatizada com o que aconteceu comigo. Raquelli me salvou naquela hora.

 ­­— O pai dela é de Curitiba, e a mãe é daqui mesmo, mas foram morar em outro lugar e agora a Amanda voltou pra fazer a faculdade. Ela queria ficar mais perto da nossa avó.

— Hum... Legal! — foi o comentário da Suelen, que preferiu não tocar mais no assunto, vendo o meu estado. Fiquei com pena dela, sei que não fez de propósito. Afinal, o que poderia saber sobre mim?

— E você, de onde é mesmo? — perguntei para aliviar um pouco a tensão. Ela pareceu surpresa, mas respondeu calmamente.

— Sou do interior de São Paulo. Vim no ano passado pra fazer a faculdade e também porque meu namorado é daqui. Aproveitei e uni o útil ao agradável — Sorriu. — Por falar nisso, vou indo que ele já deve estar chegando.

Assim que ela saiu apressadamente, deixando o prato na mesa, Raquelli me encarou.

— Não precisava agir desse jeito. Não acha que está exagerando?

— Talvez... Não sei... Daria tudo pra não ficar assim, mas se ponha no meu lugar. Como você se sentiria? Odeio ficar desse jeito. Sei que a Suelen é confiável, no entanto, simplesmente não consigo mais confiar em ninguém.

Raquelli bufou junto comigo. Sei que ela compreendia o meu estado e eu entendia a sua preocupação. Quem sabe um dia as coisas mudam e eu paro de agir assim? Essa é a minha oração todas as noites antes de dormir, quando as lembranças voltam para me atormentar, e naquela noite não foi diferente.

 Novamente fui mais cedo pra faculdade, mas a porta do prédio ainda estava trancada. Fiquei indignada. No dia anterior estava tudo aberto. Como isso podia acontecer?! Bufei e sentei no banco, esperando alguém chegar com a chave.

Alguns minutos se passaram. Fiquei olhando de um lado para o outro, já impaciente, até que reparei em um rapaz sentado a uma pequena distância de mim. Estava sério, pensativo, distante... Ele respirou fundo, olhou para o céu e fechou seus olhos por alguns instantes. Quando os abriu, pareciam brilhantes, então, com a maior naturalidade, pegou sua mochila e levantou, virando-se em minha direção. Olhou profundamente nos meus olhos e foi para a porta do prédio, destrancando-a. Fiquei de queixo caído.

— Por que você abriu a porta só agora? Estou esperando há quinze minutos. — Cruzei os braços, encarando-o furiosamente.

Ele apenas me olhou e disse:

 — Sinto muito. — E apontou para a porta. — Agora já está aberta!

Meu sangue ferveu naquela hora, estava pronta pra falar mais da minha indignação quando ele simplesmente colocou o dedo perto da minha boca, em sinal de silêncio. Seus olhos cor de mel fitaram diretamente os meus, me fazendo ficar quieta. Mesmo se eu quisesse falar, não sei por que, simplesmente fiquei sem forças.

— Amanda, para o nosso bom convívio dentro da equipe, é melhor pararmos com essa discussão boba e aproveitarmos o tempo que temos pra planejar as nossas tarefas.

Só então percebi quem era o rapaz. Alisson! Como não o reconheci antes? Estava tão diferente do dia anterior... Era outra pessoa sem aquele boné...

Mas isso não me interessa, estou aqui pra estudar e não pra ficar conhecendo rapazes, mesmo que sejam tão atraentes, lindos, com olhos profundos... Por rapazes assim, já sofri demais.

Passei por ele, ignorando-o, e fui direto pra minha sala.

Uma vida que surpreende - Degustação Onde as histórias ganham vida. Descobre agora