Capítulo 01: Aonde fui parar?

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Respirei fundo e prendi a respiração por dez segundos. Soltei o ar devagar e fechei os olhos, ficando na escuridão por mais outros dez.

Senti o ônibus diminuir a velocidade. Abri os olhos e observei a cidade em que acabara de chegar. Estralei cada um dos dedos: um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez... Pronto!

Terminara meu ritual secreto. Funcionava como uma válvula de escape com três etapas, sempre me ajudava quando me sentia nervosa. Agora, estava preparada para encarar o lugar de cabeça erguida.

Levantei-me do banco quando percebi que o ônibus havia estacionado. Desci e me vi num grande terminal que, aparentemente, as pessoas daquele lugar chamavam de rodoviária.

Olhei ao redor, procurando por um rosto familiar. Há anos não os via, contudo, lembrava-me daquelas fisionomias sorridentes, que sempre me davam presentes quando visitavam minha família.

Eu deveria ter uns cinco ou seis anos quando os vi pela ultima vez. Pararam de visitar os meus pais quando meus avôs morreram num acidente de carro. Nunca entendi direito o porquê da família se distanciar depois da tragédia. Cada um parecia culpar o outro, mas eu sei que aquilo não fora culpa de ninguém. Simplesmente acontecera...

- Lara, querida! – escutei alguém gritar.

Girei sobre os calcanhares e procurei pela dona da voz. Encontrei uma mulher de cabelos loiros e cacheados acenando entusiasmadamente para mim. Acenei de volta, um tanto encabulada.

Percebi que havia um homem de cabelos castanhos ao lado dela. Ele era alto e parecia tão animado quanto a mulher. Mordi os lábios. Eu acabara de encontrar os meus tios.

- Lara! Larinha! – minha tia correu até mim como se estivesse correndo por um campo florido, prestes a encontrar a pessoa amada.

- Há quanto tempo, pequena! – meu tio apenas caminhou rápido. As pernas suficientemente compridas dele já davam conta da distancia, sem que ele precisasse correr como minha tia.

- Oi, Rebeca. – retribui o famoso abraço “quebra ossos” dela. – Oi, Marcelo. – reprimi uma careta quando ele bagunçou o meu cabelo.

- O que aconteceu com “tia Beca” e “tio Má”? – Rebeca colocou as mãos sobre os quadris, como se estivesse me repreendendo por algo.

- Rê, ela tinha apenas cinco anos quando nos chamava assim. – Marcelo piscou na minha direção. – A Larinha está bem grandinha para essas coisas.

- Pois, eu não acho! – Rebeca me encarou de uma forma tão ameaçadora que acho que, involuntariamente, acabei dando um passo para trás.

- Desculpa, eu estou meio... desacostumada, Rebe... digo, Tia Beca. – puxei minha mochila para mais perto.

- E onde estão suas malas? – Marcelo olhou ao redor de mim, onde, obviamente, não havia mala alguma.

- Meus pais vão mandar depois... – vi Rebeca me lançar aquele olhar assustador novamente. – Tio Má. – caramba! Quando eu iria me acostumar com isso?

- Então, venha Larinha. – Rebeca me puxou pela cintura e foi me conduzindo para a saída do lugar. – Temos muita coisa para lhe mostrar aqui em Campos do Jordão.

- Você vai amar o lugar, como sempre. – o meu tio pegou minha mochila e foi andando ao meu lado, tentando diminuir as passadas de suas grandes pernas para nos acompanhar.

O dia estava nublado e absurdamente frio. Eu sempre amei dias frios, mas não estava adequadamente vestida para a temperatura baixa.

Maldita previsão do tempo! Preciso aprender que quando dizem que haverá sol quente, com certeza, acontecerá uma chuva de granizo!

Tempos de ApocalipseOnde as histórias ganham vida. Descobre agora