Capítulo 2

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O movimento descontrolado começa a diminuir e aos poucos a sensação de gravidade começa a voltar. A temperatura sobe e da pequena janela, vê-se apenas a cor laranja, brilhando forte demais para encarar por muito tempo. Ao entrar na gravidade do planeta, o movimento de rotação desgovernado dá lugar a uma queda turbulenta e o impacto da atmosfera em alta velocidade cria uma manta de fogo ao redor da capsula.

- Estamos entrando em orbita. - Daniel guarda seu medo para si. Não vê sentido em gritar desesperadamente. Não faria nenhuma diferença, além disso, o papel de desesperado já está ocupado. Ele olha para a mulher que agora chora e começa a rezar.

A tremedeira enfim cessa e a temperatura volta a baixar, pela janela já se pode ver as nuvens se abrindo e dando lugar a quilômetros e mais quilômetros de mata, a sensação de falta de gravidade ainda está presente devido ao fato de estarem em queda livre. Se continuarem assim, quando tocarem o solo serão apenas um monte de metal retorcido e sangue.

- Droga, você vê algum lago, mar ou algo assim? Neve talvez? - Daniel finalmente acordou por inteiro da hibernação e se dá conta de que está prestes a dormir novamente, dessa vez sem data para acordar. Sua voz sai desesperada. E o homem próximo a porta se inclina novamente para tentar ver alguma coisa.

- Não, só consigo ver floresta e...

Ele senta novamente na cadeira, cabeça baixa.

- Outros módulos. Uma chuva de fogo no céu.

Todos ficaram em silencio, fica evidente que não há mais esperança ou saída para a morte certa. Tanto tempo de viagem para isso. O que será que a tripulação do Gemini l irá fazer? Quantos anos até a Terra mandar outra nave?

Um forte tranco empurra todos contra as cadeiras, uma desaceleração repentina que ao mesmo tempo que assusta, traz tranquilidade. É claro, os paraquedas balísticos. Todas as capsulas são implantadas com um par de paraquedas para que, em caso de emergência, pudessem ser usadas como modulo de fuga. Estavam salvos, a não ser que...

Um novo tranco forte abre a trava de segurança de uma das passageiras e a joga de cabeça ao chão. Seu crânio se choca com um forte barulho e se abre, criando uma poça de sangue ao redor. O corpo já não mais se mexe. Está morta. As pessoas em frente se contorcionam de espanto e com os pés, afastam o corpo para longe. Daniel assiste a cena horrorizado e com as duas mãos, se prende forte a sua trava.

Mais um tranco e a capsula vira de ponta cabeça. Várias batidas e chacoalhões. O vidro da escotilha se quebra. Cacos invadem o rosto do homem sentado próximo como unhas afiadas, abrindo riscos vermelhos e jogando gotas de sangue em todos ao redor. Antes que pudessem perguntar se estava bem, seus membros se balançam sem vida, conforme a capsula gira.

Finalmente tocam o solo e a parada repentina causa um tremendo desconforto naqueles ainda vivos. Como se uma mão gigante os esmagasse. O efeito da inercia, em casos como esse podem fazer com que os próprios ossos esmaguem os órgãos, causando uma morte sem sinais externos.

Depois de um breve silencio, cabeças se levantam e olham ao redor. Daniel e Daryl se encaram. O rosto do primeiro com pequenos cortes, sangue escorrendo de sua testa. Eles encaram o resto do modulo, procurando por mais sobreviventes. Um homem negro e careca ao lado de Daniel segura sua cabeça com ambas as mãos, tentando voltar a si. Duas cadeiras ao lado, uma jovem garota chora baixinho. Aparenta ter cerca de 17 anos. Os cabelos loiros ondulados todo despenteado.

- Vo... Vocês estão bem? - Daniel espera ouvir a resposta de mais alguém além dos que aparentam estar vivos.

- Acho que não tanto quando gostaria – Os olhos do engenheiro seguem os de Daryl e encontram o motivo de tal comentário. Um dos tubos que passa por baixo da cadeira arrebentara e perfurara sua panturrilha. - Não estou sentido minha perna direita, você consegue ver daí o que houve?

A boca de Daniel começa a se mexer ao mesmo tempo em que seu cérebro procura uma frase que seja verdadeira e consoladora. O esforço, no entanto, é em vão.

- Meu Deus! Sua perna? Perfurou sua perna inteira! - A jovem aponta com espanto, seu rosto ainda coberto por uma mancha escura de cinzas e lagrimas.

- O que? - Daryl começa a tentar mexer a perna, mas não consegue e a dor da perfuração finalmente aparece. - Ah! Mas o que é isso?

- Calma! Vamos achar um jeito de tirar você daí. Droga! - Daniel começa a empurrar sua trava com força para cima e percebe que há um botão de emergência do lado esquerdo, próximo ao seu quadril.

Soltando a alavanca ele se ajoelha em frente ao colega e começa a analisar o estrago. Daryl Puxa sua alavanca e também se livra da trava, logos após os outros também seguem o mesmo procedimento.

- Deve haver algum Kit de Primeiros-socorros em algum lugar por aqui. - O homem começa a tatear as pareces em busca de botões ou alavancas, ainda um pouco desnorteado. Finalmente ele puxa para cima um armário onde cai uma pequena maleta branca com uma cruz vermelha.

- Achei!

Daniel abaixado nos pés de Daryl começa a analisar o caso. Um dos canos que passam por baixo das cadeiras se soltou e acabou perfurando sua perna, deixando sua vítima presa a cadeira. Remover o cano poderia causar ainda mais sangramento e pra isso seria necessário fazer um torniquete. Daniel paga então a toalha da caixa e a enrola alguns centímetros a cima do machucado. Já entendendo a ideia do rapaz, o outro sobrevivente pega outro cano solto para fazer a torção do pano e segurar a circulação de sangue.

Quando a perna começa a ganhar a coloração roxa, Daniel a puxa para a frente, tirando a peça de metal e deixando dois buracos aonde o sangue escorria, porém com pouca intensidade. Daryl solta um grito misto de dor e raiva e, com os punhos fechados, soca o banco ao seu lado.

- Precisamos costurar, tem algum médico ou alguém que entenda de primeiros socorros?

Daniel olha para trás, mas os dois sobreviventes dão de ombros e mantem seus olhares fixos na operação, como se contassem com ele para fazer a diferença. A pressão não ajuda.

Lembrou que já tinha estudado sobre primeiros socorros e visto alguns filmes onde um personagem fazia os pontos de outro, mas na vida real a coisa era um pouco mais difícil. O sangue em volta não dava clareza para ver muito bem o que fazer ali, mas se demorassem muito, Dary perderia a perna.

- Talvez seja melhor procurarmos algum sobrevivente nos outros Pods, deve haver algum médico. - Disse o homem, que agora estava de pé em frente à onde ficava a porta.

Quando Daniel se levantou, viu por atrás do homem várias folhas e galhos e supôs que a queda só não foi pior, porque antes de chegarem ao solo, a velocidade foi controlada pelas arvores da floresta onde caíram.

- Acho que é a melhor ideia... Menina qual seu nome? - Disse Daniel

-  Lillian

- Ta, Lilian... Escuta... - Daniel já estava de pé e limpava o sangue em seu macacão. - Eu e o...

- Marcos, meu nome é marcos. - Disse o homem.

- Eu e o Marcos vamos buscar ajuda, precisamos que você fique de olho em Daryl. Pode fazer isso?

- Acho que sim. - Ela parecia ainda estar em choque.

Antes de pular para fora, Daniel deu uma última olhada no interior do pod e seus olhos encontraram Daryl ferido, recostado em sua poltrona A perna ferida para cima, enquanto a jovem garota sentava ao seu lado, tentando reconforta-lo.

- Voltaremos antes do anoitecer. Acho que em umas 2 horas ou menos. Parece que um deles caiu não muito longe daqui. Vocês acham que conseguem ficar bem sozinhos?

Sem dizer uma palavra, a menina balançou a cabeça em afirmação. Daryl estava preocupado demais analisando o machucado. 

Novo LarWhere stories live. Discover now