O BRILHO DE UMA ESTRELA CADENTE

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-Mamãe, mamãe! –Meu pequeno menino me chama animado. –O que é aquilo no céu? –Ele questiona.

Olhando na direção que seu diminuto dedo indicador aponta, vejo uma bela estrela cadente cortando a abóboda celeste. Esse é um dos eventos cósmicos que mais me encantou em toda a minha vida.

-É uma estrela cadente, bebê. Você pode fazer um pedido que ele irá se realizar! –Confidencio.

Fechando os olhinhos, ele mexe os lábios fazendo uma curta oração. Quando torna a abri-los, o sorriso mais doce e sincero se projeta em seu rosto e sequestra meu coração uma vez mais.

-Eu pedi um papai, mamãe! –Ele exclama.

Eu o abraço e tento sustentar meu sorriso. Em uma falsa promessa, murmuro que nada é impossível para o poder da bela estrela cadente.

***

Acordo com o coração palpitando mais um dia. Aquela lembrança transformada em sonho tem me atormentado desde que minha realidade se tornara a encenação do apocalipse. Meu corpo reclama com a tentativa de sair da cama e o cheiro desagradável que atinge minhas narinas faz meu estômago se contorcer, provavelmente proveniente da pizza de três dias sobre a cômoda.

Olhando ao redor, constato a solidão que se espalha por cada canto daquela casa e as lágrimas traidoras vencem a barreira das minhas pálpebras. Não há ânimo nem vontade em meu ser para abrir as janelas, o sol não é mais tão brilhante para mim.

Uma batida na porta me obriga a sair do meu casulo e cambaleio para atender meu visitante inoportuno. Do lado de fora, a última pessoa que desejo ver se impulsiona para dentro sem convite prévio.

-Você precisa limpar essa bagunça, filha. –Minha mãe fala como se fosse dona do lugar.

-Bom dia para você também, mamãe. –Respondo mal humorada.

Essa havia se tornado nossa rotina. Ela aparecia todos os dias e reclamava do quão desleixada eu havia me transformado. No fundo, sabia que aquela era apenas sua forma de me monitorar. Como de praxe, sua neurose por limpeza a impele a arrumar minha casa e, enquanto isso, somente assisto seus movimentos como uma expectadora.

-Já se passaram cinco meses, querida. –Ela fala inesperadamente.

Seus olhos transbordam de bondade e piedade ao me fitarem. Sei que minhas atitudes a magoaram, as marcas dos cortes ainda estão cicatrizando em meus pulsos, porém, os danos feitos em minha alma são muito extensos e profundos para serem superados.

-Eu não consigo. –Respondo, já me encolhendo pela dor que parte meu peito mais uma vez.

Minha mãe me acomoda em seu colo e me embala em seus braços. Há cinco meses, o amor da minha vida havia partido. Meu menino doce e talentoso deixara esse mundo e levou consigo todas as razões que me faziam sorrir.

Em uma tarde de abril, cheguei em casa cansada e desejando um banho após um longo dia de trabalho. Todavia, minha vida se despedaçou no instante em que abri a porta e encontrei o corpo do meu amado filho de apenas dezoito anos inerte no chão e uma seringa ao seu lado. O rótulo do frasco em sua mão fria trazia o nome de um anestésico, a droga que o levara ao óbito.

Ele deixara um bilhete pedindo perdão por me abandonar e explicando que não conseguia mais permanecer vivo. A falta que uma figura paterna fazia a ele era grande demais e ele não havia encontrado um lugar ao qual se encaixasse.

Eu não notara os sinais e isso me tornava culpada de sua morte, assim como seu pai ao nos abandonar enquanto ele ainda estava em minha barriga. Ele era um menino alegre e extrovertido que, de uma hora para outra, passou a ser solitário e a se afastar de seus amigos. Negando que meu adorado menino poderia ter algo de errado, preferi ignorar a todos que tentaram me alertar para uma possível catástrofe.

-Não é sua culpa! –Minha mãe sussurra. –Já está na hora de você seguir em frente. –Ela declara.

Eu tentara retirar minha vida muitas vezes desde que meu filho morreu, mas não detinha sua coragem. Principalmente pelo fato de que ele havia me prendido a essa terra com seu último pedido: continuar seu legado.

Aos quinze anos, ele montara uma ONG para acolher mães solteiras e dar assistência aos seus filhos. Proporcionar que essas crianças pudessem ter uma chance de construir um futuro melhor. Ele até mesmo começara a cursar psicologia para saber lidar com os percalços que surgiam pela caminho.

Infelizmente, decidira abandonar a tudo, inclusive a mim. E agora ele queria que eu perpetuasse seus sonhos? Entretanto, não possuo nem um quarto de seu talento e da sua força. Ele era meu alicerce e não contrário.

-As crianças estão esperando por você. –Minha mãe fala.

Resignada, levanto-me e obrigo a me arrumar para a homenagem que as crianças da ONG fariam ao meu filho nessa noite. Os colaboradores que o ajudaram a montar o projeto foram insistentes em ter minha presença.

Quando chegamos ao local, minhas pernas vacilam. Fotos do meu belo rapaz estão expostas em todos os lugares e um vídeo de agradecimento a tudo o que ele havia alcançado está sendo apresentado em um telão. Nem mesmo tento impedir o choro que me inunda.

-Boa noite, senhoras e senhores. –Diz um dos seus amigos em um pequeno palco improvisado. –Estamos aqui nessa noite para homenagear o criador de toda essa iniciativa. A sua morte é algo doloroso e inacreditável para todos nós. Contudo, hoje iremos comemorar a sua vida, suas conquistas e, principalmente, seu grande coração que não via barreiras para ajudar o próximo. Sendo assim, peço uma salva de palmas em seu nome. –Ele diz.

Enquanto a multidão saúda meu filho, um coro de crianças entoa sua canção favorita que preenche cada pedacinho do ginásio em que estamos. Desviando meu olhar para uma janela, vejo uma estrela cadente cruzar o céu. Naquele momento, uma certeza preenche meu peito, meu filho havia me dado mais uma razão para prosseguir viva a partir desse setembro amarelo. 

Estrela CadenteWhere stories live. Discover now