Paixão Temperada

1.5K 22 43
                                    

        César pegou suas ferramentas de trabalho: um facão, uma corda, um canivete e um velho revólver. Usou um pedaço de pano para embrulhar e enfiou todo o volume numa mochila. O coração batia acelerado, suas mãos suavam e a respiração estava ofegante. Esta agonia sempre o acometia nos momentos que antecediam o serviço. Porém, a inquietação cessava assim que a tarefa era finalizada. Não costumava deixar rastros, e acreditava que era de suma importância livrar a sociedade da escória da humanidade, o lixo que fede e atormenta. Quando seus serviços eram solicitados analisava cuidadosamente, pois só aceitava a empreitada se o infeliz realmente merecesse. Fazia o julgamento, batia o martelo e partia para a execução. Não tinha esposa, apaixonara-se uma vez na vida e só tivera desgostos. Desde então, decidiu fechar seu coração a sete chaves. Vivia só em um casebre sem muito luxo nas cercanias de Viçosa em Minas Gerais. O ofício que exercia não permitia que permanecesse muito tempo em um só lugar, por isso, as mudanças de endereço eram frequentes. Estava em um bar, quando uma desconhecida de meia idade se aproximou e disse:

      - Tenho um negócio para você. Aceita? Pago três mil reais.

      - Do que se trata? - perguntou ele.

     Aos poucos ela ia relatando os motivos de sua revolta. Verônica, era seu nome. O cabelo ruivo, contrastava com sua pele alva.  Uma ruga horizontal na testa denunciava sua tensão.  Prosseguiu dizendo que seu lar era um lugar de paz, até a descoberta da suposta amante. O relacionamento com o marido já não era o mesmo, o ódio passara a corroer os seus dias. César ouvia tudo atentamente e por um momento lembrou de sua mãe. Ele era o sétimo em uma família de oito filhos. A mãe, mulher guerreira, havia criado os filhos sozinha, depois que o pai se enrabichara por um rabo de saia qualquer.

    - Aqui está o endereço e a foto da vadia. O nome dela é Helena. Quero que acabe com ela sem deixar vestígios. Pago assim que você me trouxer uma foto do serviço.

     César olhou a foto com cuidado. Pensou por um momento em não aceitar,  nunca havia matado uma mulher antes, muito pelo contrário, procurava manter-se longe delas, pois as consideravam traiçoeiras e ardilosas. Mas, não estava em condições de recusar trabalho, avaliou e decidiu que a infeliz deveria partir desta para pior. Cada palavra carregada de raiva que aquela mulher pronunciava, dava a ele a certeza que aquela era a decisão acertada. Aceitou o negócio, e ficou de enviar a foto do corpo como prova de que o negócio havia sido concretizado.

     Antes de se encaminhar para o local, olhou a foto por várias vezes, como quem tivesse tentando se convencer de que fizera a escolha certa, e quanto mais olhava mais indeciso ficava. Não gostava daquela sensação, percebia o controle escorregando por entre os vãos dos dedos. Mas não podia titubear, não agora.

                                                                       ***

     Era uma carrancuda manhã de outono, o local era rodeado por canaviais. O cheiro adocicado da cana contrastava com seu estado emocional. As casas não eram próximas umas das outras e concluiu que isso facilitaria seu trabalho. Segundo sua contratante, a mulher morava sozinha em uma casa azul próxima a um imenso abacateiro. Depois de localizá-la, embrenhou-se pelo mato e ficou agachado na tocaia. A moradia era velha e possuía uma grande varanda. A garoa caia insistentemente e o imenso abacateiro balançava ao sabor do vento como se estivesse em uma dança. O mato molhado, vez por outra, tocava sua face. De repente, ela deu o ar da graça. Carregava em suas mãos uma xícara que fumegava. Sentou-se em uma cadeira reclinável, colocou a xícara em uma mesinha e ficou a contemplar o tempo. Sua cabeça pendia para um lado e seu olhar parecia perdido. Usava um simples vestido amarelo que realçava sua pele morena.  Tinha os cabelos longos e pretos. Vez e outra, ela  sorvia o líquido quente e voltava para posição inicial. Não tinha mais que trinta anos, o frescor da juventude ainda era visível em sua tez aveludada. Aturdido, ele não podia acreditar que aquela criatura quase etérea era o seu alvo. Podia ficar horas ali a contemplá-la. Já não sentia frio, seu coração batia descompassado e seu corpo já dava sinal, atormentando seus sentidos. Ele estava confuso e o tempo não parecia ser seu melhor companheiro, já havia passado uma hora que estava ali absorto,  sentindo. Tinha que executar o serviço, este era seu objetivo.

Chegaste ao fim dos capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Oct 30, 2019 ⏰

Adiciona esta história à tua Biblioteca para receberes notificações de novos capítulos!

Paixão TemperadaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora