O Bastante para não sermos Anjos

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CAPÍTULO I

A cama estava mais dura do que nunca. É engraçado quando o cheiro de mofo se torna comum para o olfato. Embora fizesse algum tempo que não tinha voltado para aquele lugar, cada pedaço dele era como um abraço de um parente imbecil agradecendo por voltar.

Antes de caminharmos ao corredor onde estavam as celas, íamos a um quarto onde analisavam nossas bocas, cortavam nosso cabelo e nos colocavam nus para revistar a entrada de qualquer objeto proibido lá dentro. Pediam para que nos agachássemos umas dez vezes, para terem certeza de que não carregávamos nada enfiado nos nossos rabos.

Já nas celas, as caras não mudavam. Havia sempre o novato escolhido para puta comunitária, que com o tempo se acostumava com o serviço. Mas quanto a mim e a alguns daqueles caras, era como se o fato de nos ver novamente fosse uma questão de tempo e, em alguns casos, de sorte.

Outros que sempre estavam por ali eram os mesmos policiais gordos com cheiro de alho e café mal feito. Os idiotas mal nos olhavam nos olhos. Por trás daquelas grades, eles sabiam que não era só com um revólver de merda que nos impediriam de rasgar suas gargantas com nossas próprias mãos. A cabeça de um ladrão é simples. Somos movidos pela oportunidade.

A maior parte do nosso bando era de vagabundos sem nenhum princípio. Eles seriam capazes de matar um cara por ter lançado um olhar diferente ou apenas porque hoje seria um dia bacana para ver um engomadinho chorando de dor. Todos ali aceitavam a ruptura daquilo que era o correto. Daquilo que os entediava. Mas principalmente, todos eram miseráveis. Carregavam suas pulgas e as dividiam em suas celas. O íntimo que com pesar era esmagado pelas unhas sujas quando achados.

A questão de seguir e aceitar uma oportunidade foi exatamente o que me levou um dia a voltar a este lugar... Era um escritor em uma grande cidade. Lembro-me que, naqueles dias, o pouco que tinha servia para que comprasse algumas resmas em uma papelaria próxima ao meu apartamento no subúrbio.

Vivia de pequenos pagamentos de alguns trabalhos. Dividia o espaço dos meus textos com notícias sensacionalistas de um dos mais insignificantes jornais da cidade, um folhetim que era vendido nos metrôs. O dinheiro era pouco e quase sempre atrasava. Então, junto com isso, eu me frustrava em um emprego ridículo estacionando carros de clientes de um hotel. O tipo de trabalho em que as pessoas não apertam a sua mão e desviam o olhar dos seus olhos.

Já nas ruas, sempre olhava os rostos me analisando e pensava em como é curioso e incrivelmente sincero o olhar de um estranho em direção ao meu. O ato de julgar acontecia na fração de segundo. Usava uma jaqueta cinza e velha, com alguns buracos. As senhoras e os cavalheiros que me viam logo percebiam que ali se tratava de mais um pobre miserável esquecido.

Provavelmente todas as noites em que saía do trabalho, caminhava pelas calçadas movimentadas das grandes avenidas. As vitrines gritavam cheias de luzes e manequins ridículos. Diziam que o mundo era vazio.

Eu sempre me perguntava onde poderia chegar, o reconhecimento que possivelmente meus textos teriam potencial a alcançar, ou se estaria esquecido como tudo aquilo ao meu redor também estava. Pensei na proporção das coisas caso dessem errado. Daí me veio aquela explicação inconsciente de que não dar o primeiro passo, não me arriscar nas margens do abismo que estava por vir, seria uma merda maior, como se até o crescimento se tratasse de raiva, ou de uma vingança, à possibilidade remota do fracasso.

O mundo era como um round disputado de uma luta de pesos pesados, onde quase sempre o ódio é o maior dos estímulos. A vida seguia daquele modo... Hora ou outra as coisas iam mal. Aliás, bem piores. Como quando um burguesinho me acusou de ter arranhado seu carro no estacionamento e o gerente daquele lixo de hotel me despediu na mesma noite. Tive vontade de aguardá-lo sair do seu expediente e quebrar a sua cara deixando-o na calçada e bem fodido.

Chegaste ao fim dos capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Jan 15, 2015 ⏰

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