Numa nublada tarde de um final de semana, em algum remoto vilarejo na Grã-Bretanha, um caçador de mitos entra numa deserta taverna. O vilarejo até então já parecia morto o suficiente, com casas de madeiras velhas em tons de marrom claro e podre. Porém, essa taverna em específico se destacava, mesmo sendo o lugar com mais concentração de pessoas em um raio de vinte milhas. Isso mesmo, o lugar com mais pessoas, era exatamente aquele mais triste e deserto, pois todas as pessoas nele pareciam mortas – mesmo que vivas, e até mesmo bebendo – contando estórias uns para os outros, se lembrando de grandes momentos históricos e de rapsódias escritas por aqueles que juraram que sabiam quando o mundo iria acabar. Hoje.
"Estou falando, tenho a escritura original guardada no fundo da minha casa até hoje, no final de semana você e eu pegaremos um cavalo e a estrada de três dias e três noites para o sul, e então te provarei que é verdade"
"Iremos cavalgar tanto para quê? Para que você empale meu peito, e então não tenha trabalho para se livrar do meu corpo? Esquece!"
"É de teu interesse, jovem."
"Eu não apostaria uma única galinha nisto, por isto lhe sugiro que vá sozinho e me prove que o que você me disse não é apenas abobrinhas! É a sua reputação que está em jogo aqui, Senhor"
"Vocês me parecem estar bem animados, mesmo para um mundo desabando" – disse o caçador de mitos, ao entrar na taverna.
"Só se for para o suicídio celestial, ninguém merece passar mais um único segundo neste inferno. Nem uma única alma, pecadora ou não!" – Disse o senhor, de aproximadamente cinquenta anos, porém mais alto que qualquer um ali presente, e mais musculoso também. Este, cujo a pele era tão pálida quanto as nuvens de um dia nublado, tinha os olhos de uma cor indefinida. De longe, claramente era preto – ou ao menos alguma variação de cinza escuro – mas de perto, parecia um cinza claro ou então até mesmo branco, destacando bastante a pupila.
"Estou dizendo que isto é papo para matar pessoas no tédio. Não há essa de suicídio celestial, muito menos de fim das eras que esse seu aleijado escreveu" – Disse o mais jovem presente, um rapaz magricela e ruivo, com olhos negros e barba falha.
"Calma lá, o que é isso que vocês estão discutindo, para começo de conversa? Talvez eu possa ajudar" – Disse o caçador de mitos, com um ar de confiança, mostrando que apostaria cada vintém que havia nisto. De certa forma, sua pele morena não-natural, junto com seu cabelo castanho sem corte definido e sua expressão facial alegre, intimidava os outros. Era quase como se aquele forte homem, apenas com o seu sorriso e olhar de quem passou por muitos mal bocados, pudesse convencer qualquer um de que a sua verdade, era a absoluta.
"Deixe que a vovó ali explique, ele parece se molhar todinho ao apresentar suas crenças aos outros" – brincou, o rapaz.
"Mais uma dessa e quebrarei teu braço, arrancarei de teu tronco e enfiarei ele em um lugar, onde você precisará fazer um corte no estomago se quiser esvaziá-lo." – retrucou, o senhor, com raiva.
"Foi só uma brincadeira, meu velho, conte-o logo antes que ele vá embora daqui"
"Pois bem, deixe-me ver como começar" – disse, calmamente, enquanto o rapaz moreno fazia um sinal para que lhe trouxessem uma cerveja – "Há muito tempo atrás, muito mesmo, antes mesmo do começo da civilização, um grupo de menestréis escreveram um poema-"
"Como, sendo que nós só aprendemos a escrever e nos comunicarmos após a civilização?" – interrompeu, o jovem
"Oras, cale-se que tudo fará perfeito sentido, e você sabe muito bem disto" – continuou – "Esse poema, por si só, fez com que tempestades se acalmassem, que incêndios controlados se iniciassem e que os humanos aprendessem a ler e escrever. A consciência foi apenas um efeito colateral disto, viramos seres pensantes que questiona e cria qualquer coisa. Então, lá atrás, os primeiros homens a ler – treze, para ser exato – criaram consciência e criarem os primeiros treze impérios humanos, mesmo alguns terem seguido caminhos que os levaram à destruição, a maioria conseguiu se tornar impérios, que regem até hoje. Após esses lerem, dois deles se juntaram para formar um império, o nome deles eram Rômulo e Remo. Já Creetus, com inveja, jurou que iria formar a mais esplêndida civilização de todas. Dizem que foi assim que se deu origem à Grécia. Os outros não nos é muito relevante por ora, mas digamos que cada um regeu seu império e direcionou seu povo para uma brilhante civilização. Menos um. Um deles fora levado pela ganância e quis experimentar ler novamente o poema. Se uma leitura transformou seres irracionais em racionais, imagine o que uma segunda não faria. Porém, mesmo com todos tentando impedir, ele foi mesmo assim, e ao finalizar a leitura, virou nada mais, nada menos, que poeira. Os humanos consideraram aquela rapsódia dos bardos místicos uma obra divina, a qual nenhum homem poderia ler sem virar pó. Após várias e várias tentativas de leitura, as folhas entraram em um consenso: elas não aguentavam mais. Elas definitivamente não queriam mais evaporar inocentes almas, apenas porque seus reis a mandavam tentar ler. Então, todas se separaram e se auto destruíram, do mesmo jeito que destruíram cada humano. Menos uma, a última. Nunca soubemos nem saberemos o que estava escrito nelas, porém dizem que ao se separarem, elas perderam o encanto de destruir qualquer um que as lessem, assim poderíamos ter lido o poema, assim como dizem que elas contavam a história do mundo – desde a sua criação, até a sua destruição – e cada detalhe lindo que ele havia. A última folha fora dividida em duas, e podemos dizer que ela é a que conta como será o fim dos tempos. Ou, melhor dizendo, como terminará os acontecimentos atuais."
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As Três Facadas
Historical FictionDo àpice de respeito, à mais degradante imagem. A história se passa em uma taverna, onde um velho senhor conta sua história de vida (cheia de sangue) para um jovem rapaz, que se intitula "o caçador de mitos". Inspirado em "O nome do vento" e "Hamle...