Março I

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Eu disse que não sabia o que estava esperando daquela festa, mas com certeza não era nem perto do que eu vi quando cheguei. O sitio era, na verdade bem nua e crua, somente uma casa aberta, um gramado amplo e uma piscina suja bem lá longe, onde a luz das poucas lâmpadas não chegava. Não havia quase móvel algum na casa, de modo que a comida ficava em cima de uns caixotes de madeira improvisados no chão do que teoricamente seria a sala, e a bebida vinha direto do freezer, num cômodo que, também teoricamente, seria a cozinha. Nos outros três cômodos a gente via só um amontoado de pessoas no chão sobre toalhas, jornais, ou de pé nos cantinhos. Havia música tocando e ela saía dos imensos alto-falantes colocados na traseira de uma caminhonete ao lado da casa, de modo que o som era melhor do lado de fora, nos fundos, onde havia uma varanda aberta e mais pessoas amontoadas no chão e de pé.

Quando o William fechou a porta do carro e o irmão dele manobrou para dar meia volta na estradinha de terra vermelha, para voltar para a estrada de verdade – com cimento e tudo – eu quase pulei na frente do carro, sabe, para ele me levar de volta. Eram quase nove da noite, mas eu podia jurar que até a uma da manhã, eu pensaria milhões e milhões de vezes porque não havia simplesmente feito aquilo. Pular na frente do carro, eu quero dizer. Teria me polpado de muita coisa.

Ficamos os três parados na porta da casa por longos minutos. Alguém gritou e outras pessoas bateram palma, então algumas outras saíram com copos, derrubando tudo na grama, e uma luz piscou. Nós nos entreolhamos e, então, como se estivesse cansada de toda a nossa inércia, Maria revirou os olhos e saiu batendo os pés na terra, depois no piso de concreto e marchou porta adentro. William deu de ombros e a seguiu. Eu respirei fundo antes de fazer qualquer uma dessas coisas.

Não fiquei prestando muita atenção ao que a Maria fazia. Assim como na maioria das festas da escola, tentei cumprimentar educadamente quem eu conhecia – ou pelo menos as pessoas que eu sabia que me devolveria o cumprimento. Evitei o cômodo maior, pois da porta eu vi Carlos e seu séquito e inclusive a Natália, sentada no colo de um dos sete garotos – do Joel, eu acredito. Mas fora eles, balancei a cabeça para outras pessoas da nossa sala e chegamos à varanda dos fundos, William e eu, intactos e sãos.

Antes que eu pudesse cantar qualquer vitória, senti alguém puxar meu ombro assim que pisamos fora da casa. A música estava ensurdecedora e havia muita gente se remexendo na grama, algumas correndo rumo à escuridão – à piscina, mas só fui saber desse detalhe bem depois.

– Olha só quem veio! - a pessoa gargalhou, e foi seguida por pelo menos outras dez. - Luizinho!

Eu não precisaria me virar pra saber de quem era a voz – eu estava acostumado com ela há dezesseis longos anos, praticamente. Mas fiz questão de sorrir ao me virar.

– Rafael. - disse, no maior tom de despreocupação que consegui. Olhei sobre seu ombro para cumprimentar uma cara parecida, idêntica, na realidade. - Gabriel.

Por sorte, uma música que eles aparentemente gostavam muito começou a tocar, e saíram em disparada rumo à caminhonete, agarraram uma menina do caminho, começando a berrar loucamente.

Varanda: fora de cogitação, então voltei para dentro da casa e achei um canto vazio de um cômodo perto do banheiro. Tinha quase esquecido do William até que ele me cutucou com o cotovelo e me ofereceu um copo com algum líquido translúcido. Não era água, mas também não tinha nada de álcool.

– Refrigerante de limão. - ele explicou, sorrindo.

Não sei quando nem onde ele havia conseguido o copo, mas agradeci e bebi.

– Então. - ele puxou papo e nós avistamos a Maria no mesmo instante em que ela nos avistou. William não disse nada mais até que ela estivesse perto.

Aprendendo a Gostar de Garotos {Aprendendo I}Onde as histórias ganham vida. Descobre agora