Lista de Compras

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Eu sinceramente detestava aqueles jantares sociais. Desde que Bran havia sido promovido, eles se tornaram mais frequentes do que eu gostaria. Achava pedante a forma como meu marido tentava chamar a atenção de seu chefe e mostrar algum tipo de serviço, mesmo fora do expediente.

Como sempre, cabia a mim preparar o jantar. Dessa vez, o meu querido e amado marido pedira um assado. A carne, acima de tudo, precisava ser importada. "Nada de miséria, Najima!", tinha dito — como se o salário que ele recebia fosse equivalente aos gastos que tínhamos com esses eventos.

Passeava pelos corredores do supermercado com o mesmo entusiasmo de quando eu limpava a sujeira do nosso animal de estimação. Meu filho, Po, agitava-se no suporte para bebês do carrinho, apontando para cada embalagem colorida que via.

Eu não podia me esquecer das fraldas! Aquele menino vinha usando muitas delas ultimamente. Mal via a hora de ele aprender a usar o vaso sanitário.

Estava cansada. A empresa em que eu trabalhava estava prestes a falir, e uma sensação de desespero acometia cada funcionário — era questão de tempo até que eu fosse despedida. Em casa, contudo, o trabalho continuava. Po crescia mais e mais a cada dia, e com isso também aumentavam as tarefas. Lavar, passar, cozinhar. E ainda, mais uma vez, havia os benditos jantares que Bran organizava...

Queria que meu casamento falisse também.

O locutor anunciava algumas promoções no alto-falante; um ou dois clientes corriam até ele para pegar os produtos. Eu até poderia aproveitar essas promoções, mas nada de miséria, Najima. Nada de produtos baratos com prazo de validade para dali a uma semana. Nada de miséria.

Uma coisa eu admirava no meu marido: sua determinação. Quando colocava algo na cabeça, não sossegava enquanto não conseguia o que queria. Infelizmente, os meios que ele utilizava nem sempre eram os melhores — como puxar saco dos outros, por exemplo. Eu achava isso invasivo e inconveniente. Mas o maldito sempre atingia seus objetivos. Era questão de tempo até ser promovido de novo — e, conhecendo-o como eu conhecia, sabia que ele não pararia até tomar aquela empresa para si. Vendo pelo lado positivo, ao menos assim poderíamos contratar alguém para me ajudar nas tarefas básicas da casa.

Caminhei por mais um corredor. Uma garrafa de vinho, duas latas de milho verde importado. Tudo tinha que vir do estrangeiro, nada local.

Cheguei ao açougue, nos fundos do supermercado. Passei pelas peças de carne de segunda e fui direto aos cortes de primeira. Observei as embalagens dispostas no refrigerador.

Fiquei em dúvida entre o filé e o pernil, ambos pareciam apetitosos e cairiam bem na receita que eu pretendia preparar. Olhei para Po no carrinho, e suas balançantes perninhas gorduchas me auxiliaram na decisão.

Cinco quilos de pernil seriam suficientes — um assado com cebolas e salada. Todos sairiam satisfeitos.

Nada de miséria, Bran falava na minha mente.

Conferi minha lista mais uma vez e constatei que havia pegado tudo o que precisava. Eu poderia, enfim, ir embora; queria mergulhar por algumas horas num banho quente e relaxante, enquanto o pernil dourasse no forno.

Esperei na fila do caixa. Estava grande, como o habitual. Final de ano sempre era assim, um horror.

A atendente, pobrezinha, desdobrava-se para registrar as compras e embalar os produtos; ninguém lhe oferecia ajuda. Era assim que eu me sentia em casa; ninguém nunca me ajudava.

Distraí-me com a televisão na parede atrás da caixa registradora, ligada num telejornal local em que um apresentador jovem narrava as notícias. Um crime havia sido cometido no centro da cidade, nada incomum. Os dias eram assim, esse era o preço do progresso desenfreado.

Enfim, após longos minutos, chegou minha vez. Cumprimentei a atendente, e ela retribuiu com um sorriso. Dispus os produtos sobre a esteira; a menina foi registrando tudo num movimento quase ensaiado. A cada bipe, um valor surgia na tela.

Curiosamente, antes que eu entregasse a peça de pernil, o apresentador do telejornal falou sobre o novo sistema de importação de carne. Animado, ele enunciava os benefícios econômicos e ambientais que aquela forma de produção trazia ao país e ao planeta.

— Acho isso tudo bobeira — disse a atendente. — Inclusive, já ouvi falar que essas carnes são cheias de conservante. Câncer deve ser o menor dos males que elas causam.

Respirei fundo. Eu, de certa forma, concordava com a moça. O peso do pernil parecia triplicar na minha mão, pois era justamente uma das carnes sobre as quais falavam na reportagem.

A menina percebeu minha hesitação e logo tratou de se desculpar:

— Moça, não me entenda mal. Não estou criticando você.

— Fique tranquila, querida — respondi. — Eu realmente espero que você esteja certa, aliás.

Ela virou a cabeça de lado e me encarou, curiosa.

— Ah, sim... — vacilou. — Bem, o que me chateia, na verdade, é o ambiente em que esses animais são criados. Você já teve a oportunidade de fazer uma visita? Dizem que lá é horrendo! Tudo poluído, sujo. Sem contar que a maioria deles é abatida sem piedade nenhuma.

— Eu não teria coragem de visitar, mesmo por que a passagem é cara — revelei. — Acho que, se eu fosse lá, até desistiria de comer carne.

A menina riu.

— Eu realmente estou pensando em me tornar vegetariana — falou. — Uma vez, vi um vídeo de como capturam esses animais e os tratam para o abate, coitados. — Na televisão, eram exibidas imagens dos bichos caminhando pelo corredor do abatedouro, onde seriam degolados. — São mantidos em lugares extremamente apertados durante anos. Recebem injeções de hormônio e rações feitas a partir de carcaças. Chega a dar pena!

As palavras da atendente fixavam-se cada vez mais na minha consciência. Olhei novamente para a carne, ponderando se deveria mesmo comprá-la. Bran, no entanto, ficaria muito chateado comigo se eu não a levasse.

"Nada de miséria", ele repetiria.

Entreguei a carne à atendente, e ela a registrou. O valor era alto, como eu já vinha supondo que seria, mas deixei que a jovem ficasse com o troco — talvez contribuísse para sua ceia de final de ano. Ela sorriu, agradecida.

Peguei Po no colo e empurrei o carrinho de compras até meu veículo. Guardei as sacolas no porta-malas. No caminho para casa, enquanto dirigia, eu me dava conta de algo inusitado: uma simples ida ao supermercado me fizera refletir sobre um assunto que até então nunca havia passado pela minha cabeça. "Nada de miséria, a não ser que você seja um humano num dos criadouros lá do planeta Terra".

Pelo menos nossa ceia seria farta, afinal...

Pelo menos nossa ceia seria farta, afinal

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