Capítulo 1: Areia e Fogo

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Bastou a claridade se apossar da linda e silenciosa noite estrelada para o sol dar o ar de sua graça, já queimando forte nos altos cumes do Leste de Arlamelah. Aquela era uma manhã especial, o povo vivia a expectativa da passagem do Príncipe Mérian, o décimo sétimo Thermann na linha de sucessão, que viria à cidade declarar oficialmente aberta a temporada de festividades e reverências ao solstício de verão.

Não eram frequentes as visitas dos Senhores Supremos a Firesgard, já não honravam a cidade com suas presenças há quatro mandatos. O que se falava nos becos da cidade era que o príncipe só pôs fim nessa ausência, de pouco mais de um século, devido aos incessantes pedidos de sua esposa, a Princesa Meredith, natural das terras de fogo e primeira mulher nascida fora de Greendane a ocupar o coração de um Thermann.

Os festejos aconteceriam num dos largos cumes das montanhas do Leste. Naquelas primeiras horas da manhã, várias crianças já picavam as milhares de folhas caídas das árvores para serem atiradas do alto da montanha a meia-noite. Algumas até ensaiavam uma possível ornamentação das barracas já previamente montadas, apesar dos duros sermões das mães que repreendiam insistentemente toda a farra e algazarra dos pequenos. Perto dali, havia uma larga armação de madeira recém-cortada, cujo frescor ainda pairava sobre o ambiente, com alguns vãos estreitos, que serviam como uma espécie de tampão. Saída de uma das muitas minas de carvão que predominavam em Firesgard. Um grupo de mineradores se apertava naqueles vãos e respirava quase que ao mesmo tempo e na mesma profundidade.

- Satisfeito, meu caro amigo?

- Rufus, pelo amor que você sente pelas nossas crianças e pela alegria do seu próprio povo, esquece isso e pare de uma vez por todas de querer tumultuar a festa. Vamos beber hoje à noite, fazer amor com virgens desavisadas, açoitar a princesa real...

- Então tudo se resume a isso?

O revoltado era Rufus Sewwing, que desde os treze anos de infância já adentrava aquelas minas em busca de nascente de água, item raro nos dias de hoje por aquelas bandas, mas que, quando achado, podia beneficiar seu povoado por anos e anos sem a necessidade de racionar de acordo com a benevolência da Capital.

Hoje, prestes a completar trinta primaveras, Rufus tornou-se um homem de um carisma ímpar, mesmo sendo sério e marcado por uma fisionomia que ia muito além de sua idade. Talvez tal impressão fosse evidenciada pela barba cheia, que tomava boa parte de seu rosto mas não escondia parte da grande cicatriz que tinha próxima dos olhos, marca de uma estripulia ocorrida além do Leste.

Sempre fez sucesso com as mulheres de Firesgard, as debutantes principalmente. Seu rebelde e desgrenhado cabelo comprido, junto a uma habilidade notável com o arco e flecha, lembrava e muito os guerreiros antigos de Firesgard. Aqueles que, segundo os escritos, enfrentaram as lendárias criaturas gigantes e a Guarda Real dos Thermann sob o comando de Menerval nas duas grandes rebeliões desta Era.

- Não podemos exigir que o conselho leve teorias até o príncipe.

- Teorias, William? - Revoltou-se Rufus, chegando seu rosto bem próximo ao do jovem rapaz de roupas encardidas e com alguns cadáveres de lagartos pendurados nos ombros. - Eu te levei lá, você viu com esses olhos que diz ter pertencido aos mestres da caça.

Crônicas de Arlamelah: SubmissosWhere stories live. Discover now