O Sorriso [Horror em Gotas - Amostra]

442 9 2
                                    

Quando meus pais se mudaram para aquela rua, eu era apenas um menino pequeno, tímido e sem amigos. Tinha oito anos. Na escola, as outras crianças não gostavam de mim porque eu não conseguia andar como elas, nem correr como se deve e vivia sempre sorrindo, mesmo quando estava triste – a maior parte do tempo. Minha mãe me dizia que era porque eu tinha uma coisa chamada síndrome-de-um-nome-estranho, e isso me fazia sorrir mesmo quando eu não estava feliz. Eu queria saber por que não poderia jogar fora essa tal síndrome, como mamãe fazia com as coisas que eram velhas e não prestavam, mas ninguém me entende direito quando eu falo, então é melhor ficar calado mesmo.

De bico fechado, como dizia papai.

Nessa época, também mudei de escola. Não fiquei chateado porque não gostava das crianças lá no colégio antigo. Elas me chamavam de desengonçado e de esquisito, apontavam para mim e riam. Era muito chato. Mas, mesmo não gostando, eu sorria.

Não consigo parar.

Meus pais disseram que a escola que eu estudaria agora seria especial e foi por causa disso que nós mudamos, para ficar mais perto dela. Eu não gostei muito de lá, mas não falei nada para papai e mamãe. O lugar era cheio de crianças estranhas; eu tinha medo delas: algumas gritavam bem alto, e se você tentasse ver se estavam machucadas, elas gritavam mais ainda, mandando você embora; outras ficavam paradas olhando para o nada, como se não soubessem por que estavam ali. Os professores falavam com a gente como se não conseguíssemos entender o que eles diziam. A única coisa boa era que ninguém ria de mim como antes (tirando umas crianças que riam sem parar; eu ficava longe delas também). Isso já era um alívio e me fez sorrir de verdade algumas vezes.

Algumas.

Eu visitava muito uma casa branca onde encontrava um homem careca e barrigudo chamado Doutor Francisco. Eu o via desde criança; ele mexia nos meus braços, puxava-os para cima e para baixo, esticava-os de um lado para outro. Era chato e doía. Mamãe dizia que ele era fisi-alguma-coisa: era tão difícil de falar que eu me engasgava quando tentava. Mas eu me engasgava muito para falar outras coisas também.

Certo dia, quando voltávamos de lá, havia um menino sentado na calçada, na porta da nossa nova casa. Ele tinha o nariz sujo, os cabelos muito vermelhos, a pele branca e cheia de pintinhas engraçadas. Segurava um pacote meio amassado embrulhado com papel alumínio brilhante. Achei engraçado porque a primeira coisa que ele fez quando bateu os olhos em mim foi sorrir. Eu estava sorrindo também, mas não estava contente em vê-lo; na verdade, sentia um friozinho na barriga que chegava antes de qualquer coisa dolorida que as outras crianças me diziam.

- Olá. – disse minha mãe, cheia de sorrisos. Eu tinha inveja dela. Quando ela sorria, eu tinha certeza que era porque ela estava feliz. Ela sabia sorrir nos momentos certos. – Qual o seu nome? – ela perguntou ao menino.

- Ma-mateus. – ele gaguejou. Não olhava para minha mãe; na verdade, tinha os olhos grudados em mim, no meu sorriso e na minha cabeça pequena demais. Cabecinha, chamavam as crianças da outra escola. Fiquei pensando se ele iria dizer isso também. Sem querer, me escondi atrás da minha mãe, só um pouco, ou talvez um muito. Minhas pernas começaram a tremer e eu precisei separar bastante um pé do outro para continuar em pé. Queria ir para casa. De repente, Mateus percebeu que minha mãe o olhava, e então estendeu o embrulho na direção dela, abaixando os olhos. Sua cara ficou vermelha como os cabelos. – Mi-minha mãe ma-mandou para a senhora. B-bem-vinda.

Ele continuou gaguejando. Devia estar muito nervoso. Já eu prefiro não falar; se é pra gaguejar daquele jeito engraçado, é melhor ficar de bico fechado.

- É muita gentileza. – minha mãe sorriu novamente, segurando o pacote. Ela abriu uma frestinha e cheirou. – Hum, bolo de fubá! Nós adoramos bolo de fubá, não é, Tiago?

Eu sorri. Não sabia fazer outra coisa. Mas na verdade eu também gostava muito de bolo de fubá. Agora não gosto mais. Deixa um gosto amargo de lembrança ruim na boca.

- Onde vocês moram? – minha mãe perguntou. – Quero agradecê-la pessoalmente.

O menino apontou a casa do outro lado da rua, mas dessa vez ficou quieto. Vai ver tinha percebido que era meio bobo mesmo falar gaguejando. Quando eu falo, parece que estou com cem bolinhas de gude na boca e aí as pessoas não entendem o que eu digo. A minha língua meio que vai pro céu da boca sem que eu peça. Mamãe fica limpando meu queixo com um guardanapo quando eu falo. É muito chato.

Chato. Chato. Chato.

- Você pode nos levar lá? – mamãe perguntou. O menino fez que sim com a cabeça. Olhou para mim com o rabo do olho. Eu tentei fazer uma cara feia para mandá-lo embora, mas acabei sorrindo mais uma vez. Eu sempre acabava sorrindo no final. E eu não queria sorrir agora, mesmo.

Continua...

Continue lendo essa história adquirindo por apenas R$ 1,99 o e-book de contos de terror "Horror em Gotas", na Amazon: http://www.amazon.com.br/Horror-em-Gotas-Karen-Alvares-ebook/dp/B00GB322X8/

Chegaste ao fim dos capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Feb 03, 2017 ⏰

Adiciona esta história à tua Biblioteca para receberes notificações de novos capítulos!

O Sorriso [Horror em Gotas - Amostra]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora