Capítulo 1

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O longo e surrado vestido de Audrey balançava enquanto seus pés, forrados por sapatos marrons, caminhavam até o lago. Ela abaixou-se com uma jarra nas mãos e afundou-a na água cristalina. A jovem ergueu os olhos antes de tirá-la dali e logo em seguida disfarçou quando, do outro lado, seu olhar cruzou com o de Rumpel. Ela ergueu-se com os olhos baixos e virou-se reprimindo uma nova tentativa de espiá-lo.

Aquele era um homem curioso de fato. Rumpelstiltskin, ou apenas Rumpel, como o haviam apelidado, morava além das colinas, numa casa solitária e quase nunca era visto passeando pela aldeia. Seus modos eram distantes e sua personalidade taciturna o fazia inacessível. Sua aparência arrebatadora, no entanto, não condizia com seu caráter soturno.

Rumpel possuía cabelos escuros como a noite, o rosto jovem e atraente, o queixo forte, os ombros largos e marcantes sobrancelhas negras que evidenciavam a beleza de seus olhos profundamente azuis sob os cílios escuros que davam a quem não o conhecia a impressão de que ele fosse um cavalheiro bastante sociável.

Para Audrey era estranho que um homem tão bonito, embora sério, não tivesse uma esposa. Nunca ela ou qualquer outra pessoa o tinha visto cortejar ou estar na companhia de alguma mulher sequer para diversão. Alguns aldeões afirmavam que Rumpel tinha alguma espécie de acordo com magias obscuras e, por isso, era incapaz de amar ou nutrir qualquer espécie de sentimento por alguém. Diziam que o coração dele era negro como as trevas. Ninguém se atrevia a romper os limites de sua propriedade com medo do que lhes pudesse acontecer.

Particularmente, Audrey não levava em consideração aquelas histórias. Ela sabia como às vezes as línguas podiam ser maldosas e como mentiras daquele tipo espalhavam-se com facilidade. Não era raridade uma pobre alma morrer por ter sido acusada de bruxaria quando, na verdade, tudo não passava de um engano, um gesto mal interpretado. Nem todos nutriam o desejo de estar no meio de outras pessoas. Alguns indivíduos simplesmente preferiam a própria companhia ou apenas eram mais retraídos e ela acreditava que esse era o caso dele.

Assim que retornou a sua casa, Audrey tratou de arrumar os copos, pratos e talheres sobre a mesa, colocando a jarra no centro e deixando tudo preparado para o pai que estava prestes a chegar para o almoço.

Frederick era um pobre e velho moleiro que havia muito tempo perdera a esposa e tivera que cuidar da filha sozinho. Ele era um bom pai, apesar de sempre inventar histórias descabidas. Mas Audrey amava a imaginação dele e o amava. Ela desejava poder dar a ele uma vida muito mais digna. Mas todos sabiam que o reino estava falindo e que se para os nobres a situação já não era tão propícia, para os pequenos era ainda mais difícil conseguir alguma centelha de esperança, ainda mais com um rei tão mesquinho governando.

Como de costume, logo pela tarde quando o sol já estava a pino e bem quente, o pai apareceu à porta da humilde casinha. Audrey abriu um enorme sorriso para ele.

- A sopa está bastante simples, mas eu acrescentei algumas folhas que vão dar um gostinho a mais nela e o senhor não perceberá como está rala - ela explicou, enquanto pegava o prato do pai e o servia.

- Filha - chamou o velho com uma voz cansada e vacilante.

Audrey ergueu a cabeça, ainda sorrindo, mas, logo que viu como o pai havia estacado e a maneira ansiosa e preocupada como a olhava, voltou o prato à mesa e sentiu o coração parar de bater.

- O que foi, papai? - ela andou a passos largos até a porta e segurou as mãos ossudas dele entre as suas.

- Perdoe-me, minha querida, perdoe-me - pediu incessantemente.

- Perdoá-lo pelo quê? - Audrey inquiriu já sentindo dificuldade em engolir a saliva. - O que você fez?

Várias hipóteses se passaram pela cabeça da jovem. O pai talvez tivesse se endividado. Não que Frederick fosse de fazer dívidas, mas às vezes gostava de jogar e fazer apostas com os aldeões quando sobrava alguma moeda, o que era raro ainda mais em dias difíceis como aqueles. Talvez ele tivesse vendido o moinho. Tudo passou pela cabeça da jovem, mas nada tão absurdo como o que saiu dos lábios de seu pai.

O Que o Ouro Não CompraWhere stories live. Discover now