Capítulo 2

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Desde a noite em que Stéfano fora derrotado, eu vinha sentindo e ouvindo um som leve, como plumas tocando o chão, algo abafado e quase imperceptível, vindo de dentro de mim. Era esse som que eu já amava mais que a mim mesma, esse som que me fazia querer viver cada dia mais e mais intensamente, como se minha vida só tivesse encontrado um real sentido depois de sua descoberta. Eu carregava um filho do homem que eu havia depositado minha vida e minha morte, um filho fruto da eternidade, que crescia firme, pulsante. Eu o queria humano, sublime sob as asas de Deus, um anjo iluminado para colocar ainda mais vida em minha existência tão cheia de escuridão.

Divagando, mas de sentidos em alerta captei os movimentos ao redor com a facilidade plena de minha condição sobre—humana. Enquanto isso, Dr. Malcom ajeitava cuidadosamente os periféricos do aparelho de ultrassom, para que o carrinho onde eles estavam fixados ficasse bem próximo do divã onde eu estava.

— Você vai sentir um geladinho, mas logo vai acostumar. – ele sorriu nitidamente tão ansioso quanto eu em pôr os olhos sobre a criatura que crescia em mim.

Aaron se virou para o monitor e Nestor se postou ao lado do aparelho como se ver não fosse o bastante. Nos rostos de ambos a luz da curiosidade infantil se fez presente de um jeito que eu nunca tinha visto antes, todos, inclusive Aaron, surpresos demais. Naquelas condições tudo o que eu sentia era um grande desconforto por ser tratada como um verdadeiro alien. Ninguém piscava, e quando senti o gel pingar sobre minha barriga, gelando cada centímetro de meu corpo, foi que me dei conta de que o que acontecia era real.

— Vamos lá! – o doutor sussurrou para si mesmo.

Ele esfregou firmemente o aparelho transdutor em minha discreta barriga, e por um momento pensei que com a pressão que ele fazia era capaz de sofrer um aborto. O sensor na ponta do equipamento espalhava assimetricamente o gel por todo meu tronco em movimentos aleatórios que me fizeram sentir alguns arrepios. Logo que o instrumento passou por uma parte saliente em meu ventre, todos os sons se tornaram um e tudo o que meus olhos viram foi a pequena e disforme massa negra que surgiu no monitor pulsando, vivo e latente.

— Aí está... – Dr. Malcom disse claramente, como se essa fosse a sua certeza de que ninguém ali vinha blefando. Havia sim uma vampira em seu consultório que em alguns meses daria à luz. — O pequeno milagre...

Sem conseguir acreditar desviei meus olhos para os olhos e para a reação de Aaron como se buscasse nele a certeza de que não era um  sonho, no entanto ao vê—lo se aproximar ainda mais do monitor, quase encostando seu rosto na tela, vi um homem que eu sequer sabia que poderia existir. Já tinha visto Aaron frágil fisicamente, moralmente e até mesmo frágil diante da possibilidade de me perder, mas vê—lo frágil, completamente nocauteado por uma coisinha que ainda era tão irreal e pequena, fez meu coração ter plena certeza de que aquele sonho era real.

— Nosso filho? – ele me olhou e eu não deixei de derramar algumas parcas lágrimas por nós dois.

— Nosso! – confirmei.

Aaron se inclinou para beijar—me a boca cheio de respeito.

— Sim... – eu disse tentando conter os soluços que vinham depois das lágrimas. Nada mais importava. – Nosso bebê...

E ri.

— Vejamos... – Nestor, ao contrário de nós, só se mostrou tocado pela confirmação de coisa tão inacreditável. – Nunca pensei que veria isso... – ele disse por fim.

— E então doutor? – perguntei ainda sobre os carinhos de Aaron, que me pareceu mais protetor e cheio de amor. – O que será de agora por diante?

— Bem... – ele começou – Não há dúvidas... Se antes havia incertezas, agora não resta nenhuma – era óbvio para mim que não havia dúvidas, mas ainda assim, eu podia sentir que antes da confirmação até mesmo Aaron não confiava plenamente que isso pudesse acontecer. – Está aí... Para quem quiser ver! A primeira imortal grávida!

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