Capítulo 2

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Foi difícil me concentrar em preparar o jantar com a minha mente tão distante dali. Até tentei deixar tudo aquilo de lado, mas era difícil não pensar em melhorar de vida enquanto jantava arroz e farofa de sardinhas. Duas latas de sardinha e bastante farinha rendia o suficiente para o jantar de todos. Não é que eu fosse ingrata nem nada, mas depois de anos revezando entre sardinha, carne em conserva e coisas do tipo, como eu posso não querer algo melhor?

A pior parte era ver todos em frente àquela TV, animados com a incansável chamada sobre os Jogos da Ascensão. Fazia pelo menos cinco semanas em que só se falava disso. Por mais louco que parecesse, todos sonhavam com aquilo, uma forma expositiva de conseguir dinheiro fácil. O sorteio seria dali a poucos dias e eu sabia que as filas de inscritos seriam longas. Era a mesma coisa todos os anos.

Eu achava aquilo tudo um tanto exagerado, mas pelo menos eles não estavam mais com a cabeça em nossa infeliz situação atual.

Tentei sair de casa sem chamar muita atenção e do lado de fora, algumas crianças brincavam na rua mal iluminada.. Era o mesmo grupo de garotos que todas as noites jogava futebol com aquela velha bola, que tinha um péssimo hábito de cair no telhado dos outros. Quando ela rolou na minha direção, eu a chutei e comecei a correr no meio dos meninos e estava quase fazendo um gol, quando senti alguém me puxar pela cintura e me jogar sobre o ombro.

— Nada de garotas essa noite! — aquela irritante e conhecida voz gritou próximo ao meu ouvido.

— Me larga, Di! Isso não é justo! — protestei, mas como eu estava rindo, não me levaram a sério.

Os outros meninos começaram a gritar "nada de garotas" e só pararam quando o goleiro gritou perguntando desde quando eu era uma garota, fazendo todos rirem da garota sendo carregada para fora da rua.

— Onde pensa que está indo a essa hora? — Diego perguntou depois de me colocar de volta no chão, com o falso olhar de cara durão.

— Estava indo atrás de você — respondi dando um soco no ombro dele. — Preciso conversar.

Rindo, Diego me puxou com ele até a mureta onde ele sentava pra ver os meninos brincarem. A verdade era que minha mente não funcionava direito se eu não falasse com alguém, e eu não conhecia muitas pessoas com quem eu pudesse conversar.

— O que está pipocando nessa cabecinha?

— Cintia e Gisele passaram na seletiva — comecei, o que garantiu o olhar impressionado de Diego —, mas só ganharam uma bolsa parcial. Para estudarem temos que pagar, por cada uma, a quantia absurda de quatrocentas coroas por mês.

Ele não precisou dizer nada. Estava ali em seu rosto a expressão que poderia ser facilmente traduzida como um uau daqueles que parecem ter bem mais do que só três letras.

— Sem falar em todo o resto. Tipo o atraso de três meses no pagamento para o seu primo — expliquei com um sorriso sem graça que logo se transformou em uma careta, por saber o que ele diria.

Esse era um detalhe a mais em minha vida complicada. Meu melhor amigo era primo do homem que mais temia. Eles eram totalmente diferentes, desde a aparência física até o caráter, o que não mudava os fatos. Todos sabiam disso e diziam que nossa amizade era o único motivo de eu ainda não ter sido obrigada a nada por Branco.

— Três meses? — perguntou preocupado. — Isso vai sair caro! Muito caro! Sabe como são os juros deles.

— Eu sei! Mas não é como se eu pudesse fazer alguma coisa?

Um silêncio estranho se espalhou ao nosso redor enquanto tentávamos pensar em algo que pudesse servir de solução para os meus problemas, e após alguns minutos de silêncio, vi ele me olhando com a cara de quem havia tido a ideia mais genial de todos os tempos.

Jogos da Ascensão - Livro 1 da Duologia Jogos da AscensãoWhere stories live. Discover now