Quem és tu?

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Falar de nós mesmos nem sempre é fácil, posto ser esta ação, uma reflexão a partir do próprio ser. De dentro para fora. Desta feita não pude deixar de fazê-lo, pois alguns pensamentos estão a me inquietar e enquanto eu não os expressar, parece que não me deixarão em paz.

Sempre fui uma pessoa introvertida por natureza. Nunca fui chegado a afetos e carinhos. Desde criança tinha pouco amigos, quando ainda brincávamos na rua de esconde-esconde, pega-pega, peca ou bolinha de gude (conforme você o conhece), carrinho, bola, estas e tantas outras coisas que hoje soam estranhas. Brincava, mas muito recluso.

Sempre estudei em escola pública até o início da faculdade. No ensino fundamental, não era dado a fazer bagunça em sala de aula. Muito quieto, usava de minha introspecção para estudar com afinco. Era o típico CDF, o nerd de hoje em dia. Como vinha de uma família simples, sem muitos recursos, procurava honrar meus pais tirando boas notas na escola.

Quando havia alguma festa ou apresentação na escola morria de vergonha. Ficava vermelho igual a um camarão se tivesse que falar na frente da classe. Já no fim do colégio, lá pela sétima e oitava série, havia sinais de que seria um jovem ainda mais retraído dali para frente. Afinal, adolescência é tempo de afirmações, de buscar se firmar diante das rápidas manifestações do corpo e da mente.

No ensino médio, continuava a mesma situação. Poucos amigos, assim como no trabalho, já que nessa época consegui um emprego de ajudante de motorista em uma transportadora. Pouco amigos e por isso mesmo, os valorizava. Me sentia um ET as vezes, fosse no trabalho ou na escola. Achava que tinha nascido na época errada.

Na juventude comecei a participar de um grupo de jovens. Ali aprendi a me socializar, pelo menos no grupo. Fiquei mais participativo e inclusive era convidado a dar algumas reuniões. Neste grupo conheci uma guria que viria a ser minha esposa. Pelo menos algo de bom teria que ter naquele lugar. Nessa ocasião percebi que seria interessante fazer uma faculdade que pudesse me auxiliar a desenvolver enquanto pessoa. Queria fazer psicologia, mas o dinheiro não dava e então fiz pedagogia, pois o curso era mais acessível.

Eram quase cem alunos na sala. Evidentemente que não seria amigo de todos e logo entrei numa "panelinha" de umas cinco pessoas. Não que eu me sentisse bem com isso, mas era necessário por causa do curso, pois eu continuava a ter a mesma dificuldade de se relacionar. Foi uma experiência boa, gratificante, pois chegamos até a fazer teatro, e isso me ajudou a me soltar um pouco mais.

Depois de terminada a faculdade fui desenvolvendo meu lado profissional e compreendi que seria importante me aperfeiçoar. Fiz duas pós-graduações as quais são a razão de ser dessa reflexão.

Na primeira delas, tive o mesmo comportamento de quando era estudante do colegial. Chegava na aula, ficava na minha, evitava fazer trabalho em grupo. Tinha formado um pequeno grupo de estudos e com eles me identifiquei, mas quando saia desse grupo a situação se complicava. Como era aplicado nos estudos e com a experiência na faculdade de pedagogia logo me destaquei pela facilidade nas apresentações de trabalho. Então, sempre que havia alguma apresentação era eu o escolhido para falar. Mas continuava a ter uma enorme dificuldade de se enturmar com os demais colegas de classe.

Já na segunda pós, com mais experiência de vida, passei pela mesma situação, mas agora bem menos incomodado com o fato. Continuava a me achar um estranho no ninho. As conversas na roda de alunos não me empolgavam, os assuntos versavam geralmente sobre futebol, frivolidades e coisas que não levavam a lugar nenhum. Pelo menos para mim. O pensamento da maioria era raso por demais e isso ficava evidente nos trabalhos e no comportamento dos alunos em sala. Pelo menos desta vez os trabalhos em grupo eram feitos apenas em sala e geralmente terminávamos individualmente qualquer tarefa proposta.

Mais uma vez me isolava. Não conseguia interagir a contento. Contudo, quando das apresentações em grupo, eu era um dos selecionados para falar. Percebi que havia quem realmente estava ali para estudar e se desenvolver e quem procurava apenas um canudo por conta das exigências do mercado. Logo, mesmo que pudesse contribuir com o grupo, por vezes permanecia na minha, pois assim forçava os acomodados a se manifestarem. Cansei de ser o "senhor sabe tudo", e por isso evitava sempre dar opinião ou dar a palavra final em um trabalho.

Terminei a pós, mas a sina persiste. Não sei... ou talvez não queira me socializar em demasia. Sou assim, e por isso mesmo já sofri um bocado por isso. Uma das partes mais difíceis da vida é o de se encontrar, de saber quem é, sem criar expectativas de ser aquilo o que os outros querem que você seja.

Aprendi a lidar com isso, principalmente em sala de aula, depois de mais de dezoito anos de estudo. Mas ainda assim existem as relações familiares, as de trabalho e as sociais como um todo. Por isso a vida sempre é um aprendizado, um contínuum presente, no qual o nosso ser é formado e condicionado a todo o momento por forças que as vezes, nos fogem a compreensão.

Escrevi tudo isso para mostrar que uns são extrovertidos, são aceitáveis em qualquer círculo, em qualquer roda. Outros são mais fechados, mais introspectivos, quietos. Mas nem por isso são indesejáveis ou são menos prazerosos de se conhecer. Muito das dificuldades que encontramos diz respeito ao nosso próprio comportamento em relação ao outro. Dito isso, acredito que devemos respeitar cada um na sua individualidade, posto cada indivíduo ter sua própria personalidade e uma história de vida que por vezes negligenciamos.

Por fim, se eu pudesse responder a pergunta do título deste texto, diria: seja você mesmo, mas seja inteligente e prudente, não se deixe levar por pensamentos e sentimentos de inferioridade ou de negação do ser. Assuma suas ações e portanto suas conseqüências. No final das contas, o que importa é você estar bem consigo mesmo.

Mas e você? Qual seria a tua resposta?

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